Sinopse
Crítica
De tão forte, a primeira sequência de Thelma paira como um espectro por trás de toda ocorrência estranha ou aparentemente inexplicável da trama. Nela, um pai e sua filha de não mais que seis anos de idade saem pela vastidão do inverno nevado da Noruega. Ao avistar um cervo, ele mira no animal, mas logo depois aponta a arma à menina, que nada percebe. É um prenúncio considerável, que denota inapelavelmente a ocorrência de qualquer coisa bem grave. Uma elipse joga o enredo anos adiante, quando Thelma (Eili Harboe), a então crescida garota ameaçada outrora, se desloca do interior à capital para estudar biologia. O cineasta Joachim Trier faz do comportamento da câmera outro sintoma flagrante de algo perturbando a normalidade, com suas aproximações lentas, estreitando frequentemente o foco, partindo de um plano mais aberto. A protagonista é uma jovem inibida, com dificuldades para fazer amizades, logo apegada a Anja (Kaya Wilkins), a colega que lhe demonstra natural simpatia.
O que corrobora a estranheza edificada parcimoniosamente, tendo sempre em mente a cena da arma direcionada à cabeça da criança, são os ataques convulsivos que Thelma passa a ter no campus, seguidos de determinadas perturbações geralmente associadas ao comportamento dos animais. A revoada dos pássaros, por exemplo, antecede uma dessas crises, condição que culmina, exatamente, com aves chocando-se mortalmente contra o vidro da universidade. Profundamente ligadas ao desenho paulatino desse caráter extraordinário, estão as tentativas de socialização da menina acostumada a falar diariamente com os pais, inclusive dando detalhadas satisfações do cotidiano, traço de uma criação cristã, logo posta em xeque pela nova realidade. Aliás, a relação com a religiosidade é um dos substratos sintomáticos do longa-metragem, ainda mais se levarmos em conta a conotação de pecado que o envolvimento amoroso entre Thelma e Anja passa a ter, complicando bastante as coisas.
Joachim Trier permite o adensamento gradativo do teor paranormal, ou o que o valha, em Thelma. A constatação dos poderes da protagonista traz o filme para um terreno menos movediço, embora paire uma bruma de incerteza sobre a natureza deles. Na medida em que o sentimento supostamente proibido pela amiga se impõe, os efeitos colaterais dos impulsos emanados, talvez, de uma fonte subconsciente ficam mais devastadores. O realizador consegue manter o suspense em alta, investindo em novos caminhos como a investigação medica que desemboca numa surpreendente e importante descoberta familiar, e a cristalização da ideia da repressão do desejo, intrínseca a qualquer doutrina religiosa mais dogmática, como responsável para erupção violenta dos poderes inexplicáveis de Thelma. Contudo, sente-se uma queda de qualidade na interpenetração desses componentes a partir do instante em que há um retorno desesperado ao ninho, no qual mais revelações são feitas.
Mesmo com algumas fragilidades, especialmente expostas na última meia hora do longa-metragem, numa faixa menos empolgante do enredo por conta de decisões questionáveis, pois mais explícitas, Thelma é fruto de um trabalho consciente de construção atmosférica. Os eventos do roteiro somente possuem a pungência vista em virtude da sofisticada encenação proposta por Joachim Trier, com ângulos e sons verdadeiramente expressivos, além da movimentação espacial meticulosamente pensada para deflagrar uma instância intangível, com isso reforçando o mistério. Não fosse o encerramento, apelativo excessivamente para as manifestações frontais das habilidades da protagonista, nas quais Thelma adquire uma aura praticamente de inumana – levando em consideração os padrões da chamada normalidade da espécie –, e o filme poderia tranquilamente aspirar à grandeza. De toda maneira, Trier se consolida como um dos cineastas mais criativos surgidos recentemente no panorama mundial.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Robledo Milani | 7 |
Leonardo Ribeiro | 8 |
Gabriel Pazini | 7 |
Wallace Andrioli | 6 |
MÉDIA | 7 |
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