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Sinopse

A pastora nômade Laila, embora se torne a esposa de Tanvir, continua a atrair as atenções de toda a tribo, e especialmente do gendarme Mushtaq, que está determinado a conquistá-la.

Crítica

Antes mesmo de descobrirmos os personagens principais do drama indiano A Pastora e as Sete Canções, somos apresentados ao conceito de masculinidade e feminilidade no vilarejo onde se passa a trama. Por um lado, os homens devem provar sua força e, por extensão, sua masculinidade, levantando pedras diante de outros homens. (A demonstração de virilidade para impressionar outros homens contém evidente aspecto de homoerotismo, mas o filme inspirado num poema do século XIV jamais envereda por este caminho, é claro). Por outro lado, a mulher se torna objeto de pressão de parentes e vizinhas para se casar logo. Mesmo sem responder formalmente ao homem que lhe pressiona pelo matrimônio, os habitantes ao redor supõem que a resposta é afirmativa. Laila (Navjot Randhawa) e Tanvir (Sadakkit Bijran) se casam, quando então começará a pressão para ele manter a honra (proibindo outros homens de cobiçarem a esposa), e para ela engravidar, como se espera de uma boa esposa. O ponto de partida se encontra nas obrigações tácitas e morais da sociedade.

Apesar da configuração verossímil, A Pastora e as Sete Canções (2020) se articula como uma fábula, adaptada do folclore do Rajastão. As sete canções do título (canção de casamento, de migração, de arrependimento, de alegria, de atração, de descoberta e de renúncia, respectivamente) se transformam em intertítulos melancólicos, como pequenas vinhetas musicais em off destinadas a comentar o estado de espírito de Laila, que ganha poucas oportunidades de dizer o que pensa. Mesmo assim, a pastora é uma personagem forte, que ousa confrontar a polícia quando ameaçada de estupro, e depois manifesta desejos sexuais por outro homem, um jovem oficial que também se apaixona por ela. Adota-se o ponto de vista protagonista: vemos o mundo por seus olhos, com uma mistura de estranhamento, indignação e senso de absurdo. Enquanto todos os personagens julgam a personagem por sua aparência e seu comportamento intempestivo, o filme faz questão de defendê-la e mostrá-la como exemplo de resistência.

A ação se desenvolve num cenário tratado pela fotografia como um cenário de contos de fada. As belas planícies cobertas de vegetação, com as raízes das gigantescas árvores expostas sobre a terra, são captadas por uma película de granulação modesta. O diretor de fotografia Ranabir Das efetua um uso espetacular das cores, provavelmente recorrendo a algum tipo de tratamento químico específico para deixar as cores queimadas, bastante contrastadas, porém sem saturação elevada. O diretor Pushpendra Singh se esforça para não transformar a fábula triste num mundo de fantasias admiráveis, razão pela qual as cenas fogem a qualquer forma de idealização. Dentro dos enquadramentos fixos e distanciados (muito bem intercalados com planos próximos), as linhas da natureza fornecem composições de aparência natural e produção complexa, como as centenas de ovelhas sendo transportadas sobre uma colina em grande plano geral. As cenas transparecem a impressão simultânea de simplicidade e elegância.

A introdução de um humor tragicômico se torna uma bem-vinda surpresa. Diante dos flertes cotidianos do jovem oficial, Laila finalmente aceita marcar um encontro noturno com ele, mas ao inventar uma desculpa para sair de casa, o marido decide acompanhá-la. Caberá ao rapaz então inventar sua própria desculpa para justificar a presença num local escuro, noite adentro, em meio à propriedade alheia. A situação se reproduz quatro vezes no total, quando Laila e Mushtaq (Shahnawaz Bhat) são obrigados a criar ficções e contraficções, improvisando as histórias mais absurdas para fugirem à vigilância do marido. Os protagonistas dirigem então a trama, comandando a ficção-dentro-da-ficção e, de certo modo, desafiando um ao outro: em algum momento, uma das desculpas será percebida como mentira, ou seja, um dos storytellers perderá o desafio. Ou seriam os homens casados ignorantes demais? Através do jogo de simulações, Singh permite que a mulher brinque com sua sexualidade (ela realmente deseja ter relações com o jovem), enquanto o homem se emascula. De repente, os papéis de gênero se invertem: é Laila que, simbolicamente, levanta a pedra.

Em paralelo, o filme busca diversas representações metafóricas da libido da mulher e de seu calvário dentro do casamento indesejado: além das canções, há reflexões dela em off, o encontro com uma pele de cobra, o buraco de uma árvore em chamas etc. Poucas produções tão melancólicas conseguem lidar com o apetite sexual de maneira tão frontal, e ao mesmo tempo, poucos filmes conseguem navegar tão bem entre o otimismo e o pessimismo. A conclusão de A Pastora e as Sete Canções impressiona não apenas pela qualidade das imagens, mas pelo modo de expandir os rumos narrativos para uma fuga metafórica, seja ela boa ou ruim aos personagens. De qualquer modo, contra a imobilidade das relações sociais, busca alguma escapatória, por mais arriscada que seja. O mais importante ao discurso consiste em não deixar Laila presa à condição de esposa, evitando a impressão de conformismo. A solução pode não ser revolucionária, no sentido de romper por completo com as regras – assim como no caso da natureza, o cineasta evita a idealização -, mas se torna uma forma de ruptura poética. A última imagem, misto de fatalismo e de renovação, resume a proposta do filme como um todo. Há uma beleza marcante nesta obra que busca superar, ao menos esteticamente, a opressão contra as mulheres.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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