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Sinopse

Andrew Briggman é um jovem soldado norte-americano que parte para sua primeira missão no Afeganistão. Sedento pela possibilidade de grandes combates, fica decepcionado com a rotina entediante. A chegada do sargento Deeks muda completamente este cenário, ao estimular práticas de tortura e o assassinato indiscriminado de afegãos. Andrew precisa decidir até onde está disposto a ir para cumprir as ordens de seus superiores e servir ao seu país.

Crítica

Qual é a sensação de matar uma pessoa? Apontar uma arma e disparar voluntariamente contra um desconhecido? Esta é a curiosidade de Andrew Briggman (Nat Wolff), jovem soldado que parte em sua primeira missão para o Afeganistão. Dentro do quarto, ele segura o skate como se fosse uma arma, disparando tiros imaginários. No gramado em frente à casa, um irrigador automático faz barulhos rítmicos semelhantes a tiros. O drama dirigido por Dan Krauss parte do imaginário da violência para se confrontar a uma visão muito mais complexa das guerras. Quando chega no Afeganistão, o jovem se surpreende: primeiro, por passar dias inteiros sob o sol, tirando fotos dos moradores e pedindo para conferir os documentos deles, e segundo, quando um novo sargento, Deeks (Alexander Skarsgard) assume o controle do batalhão e passa a incitar a violência contra os afegãos. O que fazer diante de atos de crueldade estimulados por terceiros? Acatar e participar, afinal, “ordens são ordens”, ou denunciar os colegas e correr o risco de ser expulso do exército?

The Kill Team (2019) se constrói enquanto fábula moral. Mesmo diante do cenário de guerra, baseado na invasão real que implicou em diversas mortes, o cineasta jamais sucumbe ao prazer da violência, nem à estética do espetáculo. Os tiros são raros, mas cada um deles exerce profundo impacto na trajetória de Briggman. Não há confrontos sangrentos, planos arriscados, nem líderes perigosos a encontrar. Em outras palavras, este constitui o avesso da ação protocolar. O diretor se concentra na rotina dos soldados, na aceitação progressiva das novas ordens, no complexo jogo de manipulação entre hierarquias. Enquanto faz o possível para preservar a dignidade dos afegãos sem transformá-los em vítimas (evitando a imagem de pessoas armadas e vingativas), Krauss sugere que os verdadeiros adversários dos soldados são os próprios norte-americanos e a mentalidade bélica incutida em suas mentes. As agressões físicas e psicológicas, as chantagens e mentiras provêm do sargento e de seus seguidores. O discurso não mede esforços para criticar as ações do país no Oriente Médio, sob pretexto de “ajudar as pessoas” e “garantir a paz mundial”.

Visto que os habituais planos aéreos e tomadas abertas do cinema de guerra são substituídos por planos próximos, de modo a retratar o incômodo nas faces, a prestação do elenco se torna ainda mais importante – exageros ou artificialidades seriam mais facilmente perceptíveis pelos close-ups. Felizmente, os dois atores principais cumprem muito bem seus papéis: Nat Wolff, franzino e de olhar inocente, faz o possível para se provar merecedor da atenção do novo sargento, antes de perceber que o preço a pagar por tal afeto seria alto demais. O ator precisa sustentar meia dúzia de cenas silenciosas focadas no rosto beirando a explosão – de grito ou lágrimas, o que vier primeiro. Não se trata de um personagem fácil, mas Wolff consegue trazer nuances ao garoto em constante desenvolvimento ao longo das provações. Já Alexander Skarsgard poderia corresponder ao tradicional vilão, ou ao messias enlouquecido de Nascido para Matar (1987). No entanto, ele evita os exageros e as “cenas de Oscar” ao compor um sujeito de fala simples, tom de voz baixo, que cativa os soldados para utilizar desta proximidade mais tarde. A cada punição cruel (aos garotos ou aos afegãos), ele faz festas e dá presentes, enquanto se converte em figura paterna aos garotos solitários. No dia seguinte, cobra este afeto por meio da aceitação incontestável às suas ordens. O jogo proporcionado pelo roteiro e pelo ator se revela muito mais perverso do que a simples maldade: trata-se de uma manipulação gradativa, cujos altos e baixos, ataques e defesas, são muito bem desenhados ao longo do filme.

The Kill Team surpreende por transformar o cenário de guerra num suspense psicológico. O projeto se dedica menos aos motivos que levaram os Estados Unidos a intervirem no Afeganistão (e à reação deste país) do que aos efeitos desta experiência para garotos inexperientes a quem se promete fama e vantagens quando retornarem ao país. Muitos filmes críticos sobre os abusos da guerra esperam seus personagens voltarem à rotina para descreverem o trauma do exército, mas Krauss prefere a representação ao vivo, enquanto ela ocorre. O discurso busca amparar seus personagens numa combinação potente de masculinidade tóxica (os rapazes precisando provar uns aos outros sua coragem e força), espírito de competição (eles são colocados uns contra os outros, como se disputassem cargos por mérito), aprofundamento das hierarquias (os soldados têm a impressão de que podem ser promovidos ou rebaixados a qualquer momento) e hipocrisia em relação às rígidas regras (é proibido usar drogas, mas o sargento tolera o ato quando o descobre; é proibido abusar da força, mas o grupo é obrigado a praticar a tortura). A sensação de empoderamento é ligada à profunda instabilidade e, portanto, fragilidade.

Ao mesmo tempo, a estética escolhida para representar os conflitos dos soldados contra si próprios valoriza a claustrofobia, sem exagerar nas tremidas câmeras na mão, nem acelerar ao ritmo diante de uma possível cena de perigo. Tiros à queima-roupa são escondidos por fumaça, a tortura é sugerida no espaço fora de quadro e escondida num corte da montagem. Dedos decepados permitem imaginar a ação que precedeu esta imagem, e a entrega de uma granada como presente possibilita imaginar a quantidade de artefatos do gênero escondidos. O resultado vale tanto pelo que mostra quanto pelo que oculta e sugere. A guerra, enquanto gênero, pode ser facilmente condicionada ao impacto superficial de suas imagens: a explosão, os cenários exóticos, as armas. Ao diminuir a importância destes elementos e privilegiar as relações humanas, Krauss molda um belo drama, de teor questionador, porém não panfletário. A conclusão agridoce transparece tanto o olhar amargo aos Estados Unidos quanto o otimismo sobre possíveis mudanças. O cineasta embute todos estes questionamentos numa produção enxuta, com poucos cenários e atores, fazendo prova do controle da direção, do ritmo e do elenco.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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