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Quando você posta alguma coisa na internet, você tem certeza de que seu post continuará lá? Este documentário adentra uma nebulosa e escondida indústria de “zeladores” digitais onde a internet se livra do que não gosta... violência, pornografia e conteúdo político. Quem está controlando o que nós vemos e o que nós pensamos?

Crítica

Em tempos de debates recorrentes acerca das fake news e do papel das mídias sociais em sua propagação, o documentário The Cleaners, trabalho de estreia da dupla alemã Hans Block e Moritz Riesewieck, se vale do olhar investigativo para abordar o tema, realizando um mergulho num submundo praticamente desconhecido: o dos moderadores de conteúdo da internet. Essa é a designação oficial dada aos empregados contratados por grandes sites e plataformas de interação social para realizar a “limpeza” do ambiente digital, decidindo o que permanece online e o que deve ser deletado. Estabelecendo sua base em Manila, Filipinas, cidade que abriga um grande número de moderadores, o longa, de coprodução brasileira, se divide entre o retrato particular desses “faxineiros digitais” anônimos e uma visão mais ampla, em escala global, dos efeitos de seu ofício.

Desde a abertura, o tom adotado é o do thriller de espionagem: começando pelos trechos de uma conversa via e-mail, na qual um dos moderadores revela estar sendo pressionado por seus superiores a parar de se comunicar com os documentaristas, passando pela trilha sonora inquietante, pelos planos pensados de modo a proteger a identidade dos entrevistados e pela ambientação majoritariamente noturna, iluminada pelo neon dos letreiros comerciais. O clima incômodo e de tensão se mantém durante toda a projeção, com os cineastas explorando muito bem a paisagem dicotômica de Manila, onde os arranha-céus modernos contrastam com a sujeira e a pobreza das ruas das periferias. Um amálgama de pedestres, automóveis, comerciantes, bicicletas e animais que reflete ainda o próprio excesso de informações do ambiente da internet.

A princípio, a dupla foca no dia a dia dos moderadores – o que pensam sobre o que fazem, o que os levou a aceitar tal função, como vivem, seus desejos e medos – e na exposição da mecânica de seu trabalho – tópico que rapidamente se torna repetitivo. Em todo esse primeiro ato, um tema tabu domina a narrativa, o da pornografia e dos abusos infantis, se mostrando aquele em que existe um maior consenso a respeito da natureza condenável. É somente quando passa a tratar de questões mais controversas que o documentário mostra sua verdadeira força, discutindo, por exemplo, os limites entre a arte e a obscenidade, como no caso da artista norte-americana que viu sua pintura trazendo Donald Trump nu viralizar na rede e depois ser retirada do ar.

A discussão a respeito de como as mídias sociais passaram a pautar a imprensa, juntamente com as implicações éticas envolvendo o trabalho jornalístico, também vem à tona. Porém, a questão mais pungente talvez seja aquela sobre a linha que divide a liberdade de expressão e os crimes de ódio e racismo. A noção do poder nocivo da internet desperta uma sensação aterradora quando acompanhamos o modo como a propagação de fake news e de discursos xenófobos contribuiu, e continua contribuindo, para o extermínio da etnia Rohingya em Mianmar, sem que os sites tomem medidas mais drásticas. Casos como esse acenam para um ponto crucial, o da necessidade de contextualização das imagens, vídeos e publicações feitas na internet. Algo extremamente complexo e que muitas vezes escapa ao treinamento quase mecanizado dos moderadores.

Block e Riesewieck também colocam em pauta o fator humano, já que os moderadores possuem suas crenças e visões de mundo particulares, inevitavelmente influenciando em seus julgamentos. Os cineastas ressaltam esse ponto ao trazer, por exemplo, o depoimento de um jovem que apoia incondicionalmente a política radical de combate ao crime adotada pelo presidente filipino Rodrigo Duterte. Entre tantas figuras, anônimas ou não, a grande contestação feita pelo documentário é direcionada às grandes corporações – Facebook, Twitter, Google etc.– que seguem se esquivando de suas responsabilidades políticas e sociais como ferramentas de formação de opinião. Os trechos dos depoimentos dos executivos dessas empresas ao senado norte-americano durante as investigações das eleições de 2016 no país são emblemáticos, revelando uma postura acuada, desnorteada e frágil que se confunde com a tentativa de se eximir de qualquer culpa.

Ao final, The Cleaners retorna à esfera humana para expor os efeitos, não raramente perturbadores, do trabalho sobre os moderadores, levando muitos à depressão e até ao suicídio. Ainda assim, todos os entrevistados parecem dividir um senso de responsabilidade e orgulho de sua função. Block e Riesewieck são muito felizes quando resolvem mostrar um moderador que se compara a um sniper para, na sequência, trazer a fala de uma garota que diz ter estudado e procurado uma profissão como essa para fugir dos lixões, destino de milhares de filipinos que convivem com a subsistência, sendo que, simbolicamente, ela exerce uma função similar, selecionando e separando o “lixo” virtual. Os diretores talvez pesem um pouco no simbolismo próximo ao desfecho, quando outra moderadora fala em “limpar os pecados” enquanto vemos imagens de pessoas reencenando a crucificação de Cristo. Tal martirização soa excessiva, porém, não apaga a empatia despertada por essas figuras sem nome ou o interesse em seu trabalho, nem deixa de ecoar o pessimismo geral em relação ao uso das mídias sociais que, ao invés da integração almejada, parecem cada vez mais potencializar o pensamento divisivo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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