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Sinopse

Catherine e Matthew acabaram de se mudar para a cidade de Nathgari, no deserto da Austrália. A vida do casal entra em crise quando seus filhos adolescentes Tommy e Lily desaparecem misteriosamente antes de uma forte tempestade de areia atingir a cidade, e segredos perturbadores são revelados.

Crítica

Ao longo dos anos, a beleza e as particularidades das paisagens da Austrália têm sido exploradas pelo cinema como uma poderosa ferramenta estética e dramática. Seja em sucessos cujo imaginário hoje povoa o universo da cultura pop, como a saga Mad Max do diretor George Miller, em pérolas cult como o excepcional Pelos Caminhos do Inferno (1971), de Ted Kotcheff, ou ainda em longas mais recentes como The Rover: A Caçada (2014), o cenário do outback australiano invariavelmente se torna uma peça-chave, um personagem próprio, para o andamento da narrativa. Em Terra Estranha, a documentarista Kim Farrant estreia na direção de longas de ficção apostando boa parte de suas fichas nesse poder simbólico que emana das vastidões desérticas de seu país.

Logo nos primeiros planos, a cineasta registra o alvorecer no deserto de Nathgari, acompanhando o trajeto do garoto Tom Parker (Nicholas Hamilton) pelos rochedos, adentrando as ruas vazias, quase fantasmagóricas, da pequena cidade, e cruzando com carcaças penduradas de cangurus até retornar para casa após uma de suas recorrentes fugas noturnas. Essa introdução serve para estabelecer o clima sombrio que envolve a família Parker e sua disfuncionalidade, da insônia de Tom ao comportamento lascivo de sua irmã, Lily (Maddison Brown). A jovem de 15 anos, que surge na cena seguinte vestindo apenas suas roupas íntimas e exibindo-se para o rapaz que bate à porta, Burtie (Meyne Wyatt), foi o motivo principal da mudança do casal Catherine (Nicole Kidman) e Matthew (Joseph Fiennes) para a localidade interiorana. Uma tentativa de deixar para trás os fantasmas do passado da filha.

Em todo o primeiro ato, a ambientação instaurada por Farrant realmente se impõe, com os tons alaranjados da fotografia denotando o calor escaldante que reforça o sentimento de desorientação dos personagens. A atmosfera ganha em densidade com a chegada de uma colossal tempestade de areia que cobre a cidade, tornando o local ainda mais claustrofóbico e inóspito, além de servir como ponto de virada para o mais importante arco dramático da trama, o misterioso desaparecimento de Tom e Lily. Inicia-se, então, uma busca pelos jovens, que acaba trazendo à tona outros segredos e conflitos para a já abalada relação entre Catherine e Matthew. Liderada pelo policial Rae (Hugo Weaving), essa corrida contra o tempo aponta para um horizonte desolador, afinal, como afirma uma idosa de origem aborígine, “aqui as crianças sempre desaparecem. É a terra”.

A bem resolvida concepção visual e atmosférica, no entanto, não é preenchida por Farrant com um estofo narrativo que a enriqueça como deveria. A mescla entre o suspense e o drama conjugal, por exemplo, carece de um maior equilíbrio. Há uma questão psicológica interessante envolvendo Catherine, que encontra no espírito libertário e impulsivo da filha um contraponto aos seus próprios desejos reprimidos. A angústia do desaparecimento da garota e do irmão faz com que a mãe externe esses anseios de modo literal e passional – na transa agressiva com Matthew à mesa de jantar, ao se maquiar e vestir as roupas de Lily, no flerte com Burtie. Mas, por mais promissora que seja, essa faceta da protagonista nunca é integrada adequadamente ao mistério central do paradeiro dos filhos.

Nicole Kidman, em boa atuação, se esforça para transmitir toda a complexidade do estado emocional de Catherine, assim como Hugo Weaving, que confere integridade e solidez ao detetive Rae. Ambos, porém, são obrigados a extrair o máximo de tipos com perceptíveis falhas em seu desenvolvimento, um desafio que se mostra ainda maior para Joseph Fiennes, que tem em mãos um personagem mais problemático. Com seus rompantes de violência brutal e mudanças súbitas de atitude, Matthew é um retrato da condução hesitante de Farrant, que povoa a trama com uma grande diversidade de elementos sem se decidir por qual caminho seguir. A atração entre Catherine e Rae, a insinuação de uma perspectiva fantasiosa para os fatos – oriunda de lendas aborígines – as intervenções poéticas retiradas do diário de Lily e feitas por meio de narração em off – que parecem destoar daquilo que é apresentado sobre garota em seu pouco tempo de tela, fator limitante que prejudica a concepção mais ampla de sua real personalidade – tudo soa deslocado ou incompleto dentro do quadro geral.

A diretora demonstra dificuldade também para cumprir as expectativas prometidas. Quando constrói possibilidades de confronto – a revolta dos moradores da cidade, a reação intempestiva do pai do jovem skatista que se envolve com Lily, as ligações anônimas recebidas por Catherine – Farrant muitas vezes as abandona, não entregando resoluções. Ou, quando entrega, o faz sem a devida preparação – na briga no hospital que termina num corte abrupto, nas revelações finais, previamente conhecidas pelo espectador, trocadas por Catherine e Matthew – dirimindo seu impacto tanto em termos de tensão quanto de dramaticidade. Pois, mais do que o desfecho aberto e inconclusivo, que em outras circunstâncias poderia até funcionar, é esse constante impasse, que domina toda a projeção, o agente do sentimento de frustração irradiado por Terra Estranha e que nem mesmo as inúmeras transições com tomadas aéreas das belezas naturais australianas podem suplantar.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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