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Sinopse

Nos anos 1950, no Sul dos Estados Unidos, dois adolescentes cometem diversos assassinatos, aparentemente sem nenhum motivo.

Crítica

Terra de Ninguém, o primeiro longa de Malick, já traz consigo a relação íntima que o ex-estudante de filosofia de Harvard manteria com o métier cinematográfico durante as próximas quatro décadas. Ao premiar A Árvore da Vida (2011) com a Palma de Ouro, no último dia 22 de maio, o Festival de Cannes, portanto, fez mais do que reconhecer isoladamente uma obra; contemplou o estilo Terrence Malick de filmar; premiou uma forma peculiar de enxergar a arte cinematográfica.

Estamos em Dakota do Sul no final dos anos 50. Ele (Martin Sheen) a encontra praticando malabares no pátio de casa. Ela (Sissy Spacek) acha surpreendente que um rapaz tão bonito quanto James Dean tenha se interessado pela garota “pouco popular do colégio”. Bastou uma caminhada ao redor do quarteirão, algumas perguntas banais e respostas incompletas para que entre eles nascesse uma relação que os levaria mais longe do que jamais poderiam imaginar. É difícil precisar o que Kit enxergou em Holly. Talvez a sensação de deslocamento propiciada pela perda da mãe e pela mudança do Texas; talvez tenha enxergado na garota a última esperança de romper com a trivialidade do seu cotidiano. O certo, porém, é que somente conseguimos aceitar que há algo de relevante entre eles quando a narração, na voz da garota, nos confirma a suspeita. Se uma paixão pode sofrer complicações em qualquer lugar, em Dakota do Sul a diferença de idade separa dois mundos. Kit sabia disso, assim como pressentia que pedir a mão da garota ao pai seria uma obrigação destinada ao fracasso. Para que acontecessem, as coisas deveriam seguir outro rumo.

Em um plano pouco claro – e ao que parece sem comunicar Holly – Kit invade a casa da garota a fim de juntar suas coisas para fugirem. Enquanto prepara a mala, o reflexo no espelho denuncia que o pai o espreita do outro lado do corredor. O que se segue a partir de então será uma rotina na vida desses dois fugitivos. O contraste entre a liberdade desmedida, metaforicamente ilustrada nas intermináveis planícies de Dakota, e a punição futura marcará o horizonte do casal, norteado unicamente pela mais primitiva das necessidade: seguir adiante. Baseado nos personagens reais Charles Starkweather e sua namorada Caril Ann Fugate, casal comprometido com o crime durante os anos 50, Terra de Ninguém evoca facilmente a mais famosa dupla do gênero, Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (1967). No entanto, as diferenças são de ordens inúmeras, a começar pela ausência completa de qualquer tipo de idealização romântica no casal apresentado por Malick.

Kit and Holly são personagens planos – o que não os diminui – movidos pelo primeiro pacto conhecido, o de sobrevivência. Ainda que Kit possa demonstrar traços que revelem uma possível finalidade em seus atos, o que encontramos primordialmente em seu comportamento se aproxima da falta de comprometimento com a realidade. Kit e Holly não se juntam no intuito de assaltarem um banco ou saquearem uma fazenda. Se o fazem é pela necessidade momentânea de algo. O casal nunca ruma para um destino específico, como se fugisse da polícia ou procurasse proteção, mas, como bois em uma manada, apenas seguem em frente – vivem.

Não é à toa que Malick parece ter escolhido personagens desprovidos de compromisso consigo próprios. Amam-se, a garota nos diz, e no entanto bem poderíamos duvidar de qualquer sentimento. Retirados de seus mundos iniciais, dos quais constatamos aguda precariedade existencial, estão juntos como que salvando-se aos poucos, agarrando-se um ao outro até quando for possível. Tal contexto simplifica ao máximo a estrutura narrativa, mas permite ao diretor dar-nos o máximo com o mínimo. Assim, o visual proporcionado por Malick prende e perde os espectadores junto ao vazio do norte do país, envoltos por aquilo que Edmund Burke chamou da sensação do sublime. Feitos Bonnie e Clyde, alguns anos antes, acompanhamos o percurso divididos entre a torcida pelo sucesso da empreitada e a realização da justiça, pois uma aventura de libertação, ao final, não pode custar tão caro.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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