Terra de Deus
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Hlynur Pálmason
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Vanskabte Land
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2022
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Dinamarca / Islândia / França / Suécia
Crítica
Leitores
Sinopse
Um jovem padre dinamarquês viaja a uma região remota da Islândia a fim de construir uma igreja no fim do século 19. Quanto mais ele se aprofunda nessa paisagem, mais se desvia de seu propósito inicial.
Crítica
O protagonista de Terra de Deus é Lucas (Elliott Crosset Hove), padre dinamarquês encarregado de construir uma igreja nas profundezas remotas da Islândia em pleno século 19. E as primeiras coisas que o cineasta Hlynur Pálmason enfatiza são as ignorâncias do religioso quanto a: 1) os procedimentos necessários à travessia das paisagens ermas/desafiadoras; 2) as relativas à língua estrangeira. Então, de cara, Lucas precisa da ajuda de pelo menos dois sujeitos experientes, um tradutor e um trilheiro. No entanto, o longa-metragem escolhido pela Islândia para representa-la no Oscar 2024 não tem como tema principal as incapacidades do servo dedicado de Deus. Seu foco principal, elaborado nos quase 150 minutos de duração do filme, é a oposição silenciosa e brutal entre a natureza sábia/poderosa e os dogmas/regras criados para tentar domesticar a paisagem e os impulsos. A metáfora adequada para essa batalha insistente é o hobby fotográfico do pregador. Sim, pois Lucas se demora em sua liturgia com as placas de vidro, os sais de prata e demais elementos necessários para congelar a imagem de alguém. No entanto, o retrato resultante do esforço intelectual é apenas uma representação parcial. Não há como reter a complexidade dos semblantes ou mesmo a dos horizontes. De modo relativamente semelhante, as convicções religiosas não enquadram as multiplicidades humanas, apenas retêm a superfície.
Terra de Deus utiliza a austeridade como princípio narrativo desse embate angustiante entre os desígnios da natureza e a religiosidade que lhe pretende colocar cabrestos. A fotografia assinada por Maria von Hausswolff valoriza mais do que a beleza e a vastidão dos cenários islandeses, pois sempre deixa implícita a grandiosidade dos ambientes em contraposição à pequenez das pessoas nele. O desenho visual sinaliza de modo semiótico a prepotência do ser humano, também subentendida nessa construção cadenciada da experiência tensa por terrenos e condições climáticas insalubres. E essa diferença entre as dimensões é mantida em relevo pelo comportamento de Lucas, personagem indicativo da tentativa arrogante de domesticar o natural por meio de uma vontade supostamente avalizada por Deus. Prova disso é o momento capital em que ele desafia os avisos do guia e obriga a caravana a atravessar o rio revoltoso. A morte do companheiro de viagem escancara o quão perigoso é tentar quebrar as leis naturais ou mesmo submetê-las àquilo que utilizamos como significante para melhor adequar a nossa existência. Lucas frequentemente exibe os seus rompantes de superioridade moral, como se ao pretensamente mediar o diálogo entre Deus e os demais ele detivesse vantagem sobre os meros mortais. Ou será que essa “vitória” das águas define que ele não sabe onde encontrar seu Deus?
Hlynur Pálmason propõe uma experiência imersiva nesses cenários belos e desafiadores. Vemos a caravana passando por descampados, quedas d’água e erupções vulcânicas. A câmera parece sempre querer extrair da paisagem uma ambiguidade situada entre a beleza e o perigo. Lucas, por sua vez, é um religioso mais opressor do que caridoso, homem talhado para se imaginar acima dos demais por força da sua consagração como sacerdote. E o ator Elliott Crosset Hove compõe vigorosamente essa personalidade rica e complexa, sobressaindo principalmente nos instantes em que o silêncio precisa ser ruidoso e comunicar o que não cabe às palavras. Outro personagem fascinante de Terra de Deus é Ragnar (Ingvar Sigurdsson), o trilheiro de modos brutos que funciona como antagonista do religioso sendo guiado Islândia adentro. Ele parece perfeitamente integrado à natureza, ciente da necessidade de respeitar os seus protocolos e não colocar nada acima dessa relação de respeito profundo. Tanto que quando solicita ser fotografado, trata-se de uma das tantas provocações à cegueira de Lucas à complexidade daquilo que esse padre enxerga como fenômenos simples. Lucas já o “fotografou”, ou seja, enxerga-o por meio de um prisma redutor que não o contempla na integridade. Lucas é o sujeito em decomposição moral, aquele que não consegue valorizar o outro, pois é muito autocentrado.
O desacordo entre normas e natureza ganha nuances com a chegada da caravana ao lugar de destino e a construção da igreja. Ao contrário de seus colegas de viagem, Lucas quase morre na travessia, pois sua convicção é terceirizada. Ele não segue a própria noção de honra ou ainda um senso de dever determinante. O padre se orienta por aquilo que lhe ensinaram como o caminho de Deus, algo ressaltado nas demonstrações de angústia pela adequação dos demais às circunstâncias e, em contrapartida, a sua quase completa sensação de desarmonia. Hlynur Pálmason opta pelo caminho arriscado de manter os sentidos importantes subentendidos, confiando na capacidade do espectador de extrair significados das emoções provocadas por esse embate entre um homem fraco e uma natureza imperativa. E, para expandir o conceito de natureza, daquilo que existe como força incontrolável, surge o desejo despertado pela jovem. Como servo cativo de uma entidade maior, Lucas foi ensinado a reprimir seus desejos e guiar seus comportamentos por aquilo que pretensamente fica bonito aos olhos de Deus. As proibições criam um novo ponto de atrito com a natureza, dessa vez a humana, manifestada por meio desse desejo carnal. Os conflitos ficam meio vagos demais em determinados momentos, mas essa provocação é muito mais bem-vinda do que o didatismo de entregar tudo de bandeja. A religião nos lembra o cinema do dinamarquês Carl Theodor Dreyer e a contemplação da natureza remete ao russo Andrei Tarkovsky.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 8 |
Francisco Carbone | 8 |
Leonardo Ribeiro | 8 |
Chico Fireman | 6 |
MÉDIA | 5.5 |
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