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Sinopse

No ano de 2500, a Terra passa por um difícil período de sobrevivência enquanto o sol fica cada vez mais perto de seu desaparecimento completo. Para tentar salvar a raça humana, um destemido grupo de jovens enfrenta o desafio de restabelecer a ordem e embarca em uma viagem para fora do nosso sistema solar.

Crítica

Lançado no Brasil diretamente na Netflix depois de arrecadar quase US$ 700 milhões – sendo mais de 95% desse montante no mercado interno –, o chinês Terra à Deriva é o típico filme-catástrofe, com praticamente todos os ingredientes que tornaram célebre esse subgênero. Na trama, em virtude da expansão solar, não há mais condições da humanidade sobreviver tão próxima ao astro rei, então é desenvolvido um mirabolante plano global que consiste, entre outras coisas, em parar a rotação planetária e, com a ajuda de motores espalhados pelo globo, empreender um deslocamento espetacular da Terra em direção a outro sistema. O dado de ficção científica é essencial, assim como também o parece, inicialmente, a esfera familiar. Liu Peiqiang (Jing Wu) é um astronauta embarcado na estação espacial que escolta o corpo celeste numa viagem extraordinária que deve demorar mais de dois mil anos para se completar. Seu filho Liu fica, então, órfão na casa em curso.

Passam-se quase 20 anos da despedida, e Liu (Chuxiao Qu) é alçado à condição de protagonista. Ele é um sujeito impetuoso, ressentido quanto ao “abandono” paterno sob os cuidados do avô numa das mais de 10 mil cidades subterrâneas construídas para abrigar sobreviventes. Terra à Deriva cunha bem os pilares do enredo, inclusive demonstrando qualidade, senão exemplar, funcional no que tange ao desenho visual desse mundo assolado. Portanto, a fase de apresentação é relativamente bem-sucedida, o mesmo não podendo ser dito do restante, especialmente a partir do momento em que o jovem resolve quebrar algumas regras e evadir clandestinamente à superfície com Han Doudou (Jin Mai Jaho). Aliás, o desenvolvimento é tão confuso que apenas bem mais adiante é esclarecida a relação que o rapaz tem com essa menina, e isso porque um coadjuvante recorre à surrada enunciação puramente verbal para dar conta do traço importante ao todo.

Terra à Deriva segue à risca a cartilha dos filmes-catástrofe, porém mais preocupado com os cânones que necessariamente com a humanidade em cena. Há o rebelde que progressivamente assume a condição de uma das grandes esperanças; o alívio cômico (que, a bem da verdade, é sem graça toda vida); a dama em perigo, mas que em dado instante se mostra tão corajosa quanto os homens determinantes às missões; o infortúnio dos mais velhos altruístas para que os novatos sobressaiam diante das adversidades; e um sacrifício de proporções épicas antecedido pela batida conversa com um ente querido que, por um lado, perderá alguém amado, mas, por outro, terá um futuro. Todavia, não são necessariamente as convenções a deporem contra o resultado, mas o modo absolutamente ordinário com que elas são utilizadas, vide a recorrência a expedientes percebidos à exaustão em produções melhores, nas quais a carga afetiva, ao menos, tem a sua importância.

Outro fator responsável pelo caos prevalente em Terra à Deriva é a incapacidade do cineasta Frant Gwo de tornar claros os percursos e, por conseguinte, de situar o espectador nos emaranhados de corredores, níveis e acessos. Dessa falta de orientação advém a confusão acerca de onde os personagens estão e de como chegarão aos destinos, transições imprescindíveis à tensão, mas que aqui carecem de coerência. Lá pelas tantas, o computador central da estação espacial simplesmente passa a se comportar como o icônico Hall 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), adicionando frivolamente outra camada ao desespero já inchado por várias ocorrências. Para coroar esse percurso desordenado, há uma sucessão de instâncias anticlimáticas, com planos falhando esquematicamente, tão e somente a fim de abrir caminho, no encerramento, para um ato abnegado e grandioso, digno das jornadas dos heróis. Nem certas ideias visuais boas salvam o conjunto frágil.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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