Crítica


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Sinopse

Taís e Taiane são duas jovens muito diferentes obrigadas a conviver na estrada, entre uma carona e outra. Elas viverão dias inesquecíveis de aventura numa jornada de aprendizados e decepções.

Crítica

No material de divulgação do longa nacional Taís & Taiane, o diretor Augusto Sevá afirma que este filme “é a materialização de um velho sonho, de reviver o universo estradeiro que experimentei na juventude”. Chama atenção, portanto, o cineasta ter escolhido duas garotas para contar essa história, ainda mais quando declara ter escrito o roteiro baseado em algo que ele próprio teria vivenciado. Ou seja, o que se percebe é que, ao invés de elaborar uma trama com toques autobiográficos – portanto, em primeira pessoa – opta por se basear no que observou e, principalmente, imaginou a respeito dessas mulheres que habitam esses cenários. Algo idealizado e, principalmente, fantasiado a respeito de um universo que está longe de ser tão singelo e inocente como o realizador se empenha em apresentar. Como resultado, tem-se algo carente de relevância não apenas pela visão ingênua que revela, mas também pela ausência de contexto que justifique essa investigação.

Taís (Gabriella Vergani, de O Negócio, 2014-2018) está na beira da estrada. Não se sabe se para pedir carona ou por esperar por uma já combinada – que é o que acaba alegando posteriormente. Mas Taiane (a novata Yasmim Santos), que é frequente naquele lugar, sabe só de olhar o que a recém-chegada pretende. Ainda que não sejam necessárias todas as letras, ambas estão sozinhas tentando se virar como podem – e, segundo o responsável pela trama, o que se oferece é que para garotas como elas o único destino possível é a prostituição. Logo se estabelece um clima de competição, como sentissem prazer no que fazem. Talvez seja apenas a luta pela sobrevivência em um lugar inóspito e perdido no meio do nada, mas nem o discurso, muito menos o gestual, se ocupa desse tipo de mensagem. Há um embate, porém mesmo esse é rapidamente atenuado. Afinal, são elas contra o mundo, certo?

Até poderia ser, não fosse a estrutura tão esquemática e redundante na qual o enredo se apoia. A partir de um conceito episódico, Taís & Taiane abre mão de uma narrativa convencional, sem apresentar condições – e muito menos coragem – para abraçar um possível experimentalismo. Se o caráter memorialista é anunciado, esse se cancela pelo simples pressuposto de que as duas estão em busca de algo que nem mesmo sabem, apesar dos argumentos que alegam: uma quer reencontrar o pai, a outra oferece respostas ainda mais vagas, que vão desde encontrar um príncipe encantado ou uma básica, ainda que previsível, mudança de vida. Nada disso seria problema se fosse aberto espaço para transformações que permitissem tais destinos. Mas a junção de ambas é tão casual quanto improvável, e se num minuto se antagonizam, no seguinte declaram promessas de amizade eterna uma à outra. Extremos que combinam com a falta de lógica do projeto.

Carente de uma base que forneça ao menos um caminho a ser percorrido, Sevá se perde entre um olhar que beira o machismo em sua apropriação do corpo das garotas – ambas exibidas nuas em mais de uma ocasião, ao passo que seus colegas masculinos do elenco estão sempre bem resguardados – e o misógino, pela crueldade que direciona às suas personagens. Se é definido que aquelas em tal situação uma conquista de seus objetivos será negada, desenha-se apenas duas possibilidades: a morte ou o sonho, como se não houvessem opções intermediárias. Elas vão de um lado a outro, encontram possíveis clientes ou antigos conhecidos, mas nada parece mudar, a lugar nenhum chegam e suas motivações permanecem tão nebulosas quanto antes. É também por isso que a aparição de dois homens que contradizem quaisquer expectativas termina por soar tão gratuita quanto o resto, pois se revela artificial e desprovida de significado frente ao almejado pelas protagonistas.

De fotografia pouco inspirada e trilha sonora que serve apenas como comentário ao já visto em cena, o conjunto tropeça ainda em outros aspectos técnicos, como a captação de sons – os diálogos são tão mal registrados pela dublagem que impedem qualquer possibilidade do mais disposto dos espectadores adentrar no universo proposto – e os efeitos visuais – as sequências nos interiores dos automóveis seriam risíveis, não fossem apenas constrangedoras. Por fim, Taís & Taiane afunda ainda mais em suas intenções por se revelar incapaz de sequer levantar o mais raso dos debates a partir daquilo que deveria investigar, mas que dele se abusa por meio de um viés fetichista e retrógrado. Atuações canhestras, um texto envelhecido e uma abordagem maneirista fazem do todo uma sucessão de equívocos do qual nenhum dos envolvidos parece sequer disposto a escapar ileso. E este é, definitivamente, o pior do seus tropeços.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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