Crítica


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Sinopse

A swingueira movimenta a juventude das periferias nordestinas do Brasil. Quatro jovens disputam um campeonato cearense de dança enquanto buscam meios para sobreviverem de sua paixão pela arte.

Crítica

O jovem Isaac, dançarino e apresentador desta história, dirige-se ao espectador como se estivesse conversando com um amigo próximo. Ele apresenta o bairro pobre onde mora, cita os principais amigos, as dificuldades do cotidiano, sua paixão pela swingueira, a origem do termo, as diferenças entre a dança na Bahia e no Ceará. “É foda, né, mano? Mas a gente dá nosso jeito”, ele lamenta e comemora ao mesmo tempo. O protagonista lê um texto escrito com pretensão de oralidade, buscando a aparência de improviso em meio a uma condução esquemática. Swingueira (2020) introduz o ritmo, os personagens, acompanha-os durante dois anos de competições estaduais e se encerra com os rumos de cada um. Impossível adotar uma estrutura mais linear, cronológica e convencional. Os diretores Bruno Xavier, Roger Pires, Yargo Gurjão e Felipe de Paula dividem-se entre a intenção de criar uma narrativa didática e a vontade de resgatar a espontaneidade da dança. No entanto, as duas linguagens (a artificialidade e o realismo, a intervenção e a abertura ao acaso) entram em conflito e atenuam uma à outra.

As intenções são nobres: valorizar a dança enquanto consciência social, destacar as iniciativas de jovens em condições adversas, comprovar o talento de adolescentes e adultos face ao preconceito, sublinhar a possibilidade de união entre diferenças. No entanto, o filme encontra dificuldade para manter o foco no quarteto principal. A narrativa se dispersa para os distintos grupos de swingueira, esquecendo-se de deixar os jovens falarem por si mesmos e ditarem os rumos da narrativa através das iniciativas. Desde os verborrágicos minutos iniciais, eles serão descritos, explicados e avaliados por terceiros. O texto solicita que apresentem uns aos outros num recurso pouco orgânico, abandonado antes que a ciranda se complete. Isaac e os colegas são compreendidos enquanto exemplos e figuras de inspiração, porém dotados de pouca subjetividade. Para além das características básicas (filhos, namoro, vida com a mãe), conhece-se muito pouco a respeito dos sonhos e objetivos de cada um. A direção privilegia a vocação individual para a dança, concentrando-se nas demonstrações de furor pela swingueira (os ensaios, as tatuagens, as brigas com grupos rivais).

A dança constituiria um prato cheio para o documentário resgatar a energia que tanto procura, através dos movimentos ágeis e das batidas cadenciadas das músicas. Ora, algumas escolhas de mise en scène prejudicam a apreciação desta arte, a começar pela montagem, que nunca possibilita ao espectador contemplar a movimentação dos corpos em estado bruto. A edição dança mais que os personagens: cada plano ocupa poucos segundos antes de ser substituído por uma câmera lenta, uma imagem do conjunto, outra câmera lenta aproximada (Seria o corpo de Isaac? De outro colega? Impossível saber), mudanças bruscas de profundidade de campo, e mais uma câmera lenta. O dinamismo não pode ser confundido com fragmentação: se os cineastas buscam com tanto afinco demonstrar as habilidades do quarteto, seria indispensável deixar o espectador observá-los dançar durante mais de quatro, cinco segundos antes de serem retirados do foco. Somos obrigados a confiar na narrativa quando sugere que um dos garotos constitui o dançarino mais forte de seu grupo, e que outra jovem se destaca com a mesma expressividade dos meninos. Afinal, a direção não consegue destacar qualquer diferença de estilo ou nível técnico entre eles. Os dançarinos se tornam uma massa indistinta, e mesmo a importante competição regional atinge uma conclusão anticlimática: na primeira metade da trama, vence um grupo sequer mencionado até então, cujos talentos não pudemos apreciar. O anúncio dos vencedores sequer aparece em cena.

A dificuldade de concentração domina tanto o olhar quanto o discurso. Os fatores estruturais ligados à swingueira, por exemplo, estão ausentes. Um dos garotos menciona o preconceito inicial sobre a dança praticada por homens, porém esta questão jamais se aprofunda. O local aparenta ser inclusivo em relação a indivíduos LGBTQ, fator tampouco desenvolvido pela direção. Em se tratando de uma prática desprovida de apoios institucionais, como se organizam os eventos, de que maneira os grupos obtêm os figurinos elaborados? É possível se profissionalizar na área, viver da dança? Na reta final, uma forte equipe se vê impossibilitada de participar da competição, por aparente dificuldade financeira, mesmo assim o filme não considera importante desenvolver estes aspectos. Quando alguns personagens abandonam a dança, a montagem os deixa de lado e passa a seguir novos dançarinos (antes de mencionar rapidamente o destino do quarteto original, na conclusão). Todas essas opções seriam válidas: tanto o projeto que segue o dia a dia de cada um dos quatro jovens quanto o olhar indistinto à coletividade; tanto o retrato das danças permeadas pelas dificuldades sociais quanto a beleza da dança em si, não condicionada ao meio em que se insere. Faltava, no entanto, traçar um caminho coeso entre estas possibilidades, e explorá-lo a fundo.

Há momentos empolgantes em Swingueira, a exemplo das crianças pequenas que manipulam a câmera como se fosse um brinquedo, ou o choro sincero de um dançarino antes de se apresentar. O humanismo da abordagem é evidente, assim como a ternura dos diretores por seus personagens. Estes também se entregam ao projeto com generosidade, ainda que algumas imagens transpareçam o desconforto da comunidade com a presença da câmera. Entretanto, a linguagem cinematográfica não se desenvolve a contento. Se um travelling é questão de moral, a dispersão de foco narrativo também constitui uma escolha ética, e os inúmeros flashes da dança se convertem em decisões estéticas fundamentais. O estilo não deveria se impor de maneira tão intervencionista ao tema (em especial, nas explicações da narração). A direção poderia apostar na capacidade do documentário em extrair significado pelas interações comuns do dia a dia, oferecer a força da dança em si mesma, sem embelezá-la nem desacelerá-la. Em paralelo, precisaria acreditar no espectador, capaz de compreender as dificuldades deste cotidiano e a força destes movimentos sem um direcionamento tão insistente do olhar.

Filme visto no 30º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, em dezembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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