Springsteen: Salve-me do Desconhecido

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Sinopse

Em Springsteen: Salve-me do Desconhecido, é retratada a jornada do cantor e compositor conhecido mundialmente como "The Boss" durante a criação do álbum “Nebraska”, de 1982. Já bastante popular nos Estados Unidos, mas ainda antes da consagração internacional, esse foi um trabalhou que revirou com suas mais profundas inquietações artísticas. Ao mesmo tempo, enquanto criava suas canções, teve que lidar com uma depressão que quase acabou com sua carreira. Biografia.

Crítica

A missão de levar às telas a história de um ícone é uma das mais difíceis que qualquer contador de histórias pode se submeter. Quer dizer, complicado mesmo é alcançar esse intento de forma positiva e bem-sucedida. Pois, de qualquer jeito, todo mundo pode fazer, e talvez seja essa a explicação para que tantas cinebiografias tenham ganhado corpo nos anos mais recentes. Dentre essas, há um fascínio quase indizível entre Hollywood e o estrelato conquistado por meio da música. Se cada personagem toma anos de investimento para se tornar real no cinema, músicos conseguem alcançar o mesmo em composições de cinco minutos ou menos, lançadas em álbuns com dez, doze ou mais apostas do tipo. Um ator pode se tornar uma estrela, mas um cantor talvez atinja um imaginário ainda mais inalcançável, do ídolo do qual todos querem um pedaço, ambicionam imitar e sonham e se tornar igual. Muito pouco disso se vê em Springsteen: Salve-me do Desconhecido, a tentativa de Scott Cooper se aproximar da brilhante trajetória daquele que ficou conhecido como The Boss, ou o Chefe. Sim, ninguém menos do que Bruce Springsteen, músico vencedor do Oscar e de nada menos do que 20 Grammys. E é posto como falho o esforço que aqui se percebe pois o cineasta se mostra mais preocupado no artista do que no homem. E assim tropeça em ambos os aspectos.

Scott Cooper estreou no cinema com um projeto de peso e já demonstrava seu interesse pelo universo musical: Coração Louco (2009), filme vencedor de dois Oscar, o de melhor ator, há muito devido para Jeff Bridges, e o de melhor canção original, para o astro country T Bone Burnett. Seria natural imaginar que, após um punhado de projetos seguintes que não chegaram a alcançar a mesma repercussão, o cineasta espere repetir tal performance com Springsteen: Salve-Me do Desconhecido, ainda mais por não ter em mãos uma figura ficcional como protagonista, mas um ícone por muitos encarado como verdadeira instituição nacional nos Estados Unidos. Porém, se por um lado Jeremy Allen White se confirma uma escolha acertada pela semelhança física, por outro se percebe a falta de direcionamento que o ator da série O Urso (2022-2025) teve que enfrentar neste trabalho. O que se vê nele, ao invés da complexidade emocional esperada, é apenas um nada quase adormecido, reciclando muito do que já fora visto no programa televisivo que lhe rendeu dois Emmys até o momento. É uma escolha interessante não se focar tanto no aspecto do espetáculo, partindo em busca do artista por trás de todas essas luzes. O que joga contra são as distrações de um roteiro que parece nunca saber para qual foco se direcionar e que terminam por enterrar muitas das boas intenções presentes.

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Com Allen White apenas repetindo muitos dos maneirismos vistos em seu passado televisivo, sobra pouco a esperar de sua performance. Prejudica também o texto a ser defendido, que o coloca em situações por demais semelhantes ao do chef em crise após a morte do irmão. Afinal, o Springsteen escolhido para ser retratado por Cooper não é aquele em início de carreira, muito menos o que desfruta de um estrelato consagrado. Trata-se de um período específico da carreira do músico, os meses que antecederam ao lançamento do álbum Nebraska, em 1982. Ele era conhecido nacionalmente, mas só alcançou o status que desfruta até hoje alguns anos depois, quando Born in the U.S.A. finalmente o elevou ao posto de febre mundial. Formado basicamente por canções acústicas e entregue às lojas sem divulgação alguma, Nebraska foi resultado de meses de depressão que afastou o músico de familiares e amigos. É sobre isso que Scott Cooper ambiciona falar com seu filme. O sentimento interno do astro, ao mesmo tempo em que o coloca focado na composição de temas que lhe eram caros, apelando para sua alma artística, ao mesmo tempo em que despreza relações românticas e até mesmo profissionais. Ao término da sessão, restará à audiência uma dúvida fundamental: o Springsteen levado às telas era o homem ou o astro? Um pouco de cada, mas nenhum por completo. Eis um filme que não se completa nem mesmo pelo complemento e dedicação do público.

Assim como fez a brasileira Flavia Moraes em Milton Bituca Nascimento (2025), que construiu um filme inteiro em homenagem a um dos maiores nomes da música popular brasileira sem permitir que nenhuma das suas canções fosse interpretada por completo, Scott Cooper também se mostra determinado a retirar de cena quase todas as músicas mais conhecidas do protagonista de Springsteen: Salve-me do Desconhecido. Resta assim um ator talentoso, porém sem saber qual caminho perseguir, e um texto – baseado no livro de Warren Zanes – que se mostra incapaz de se apropriar do personagem proposto, colocando-o por vezes flertando com uma nova garota, apenas para deixá-la sozinha no dia seguinte, e por meio dessa inconstância buscando justificar uma instabilidade emocional que é apenas arranhada na superfície, sem o devido mergulho que talvez justificasse a criação de uma obra até hoje tão controversa. Como já existe um filme chamado Nebraska – o oscarizável drama dirigido por Alexander Payne em 2013 – é de se imaginar que a opção restante tenha sido justamente apelar para o sobrenome famoso para atrair fãs e curiosos, mesmo que esses não sejam favorecidos por meio da abordagem escolhida, que recai no recurso preguiçoso de colocar tudo na conta de problemas paternos (tal qual foi visto nas cinebiografias de John Lennon, Elton John, Robbie Williams…). Sem entender suas origens e muito menos o homem que acabou se tornando – e eternizando – este é um longa aquém da relevância e do impacto que Bruce Springsteen certamente merece. Pois é, não foi dessa vez.

Filme visto na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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