Skate Kitchen

Crítica


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Sinopse

​Camille, tímida adolescente, se enturma com o coletivo feminino de skatistas de Nova York conhecido como Skate Kitchen. Entre os novos amigos, é apresentada a um mundo diferente, o que a leva a se desentender com a mãe, e se encanta por um jovem e misterioso skatista. A relação com o rapaz, no entanto, revela-se mais complicada do que manobras como o kickflip. A experiência feminina em espaços dominados por rapazes é revelada na história de uma menina que aprende sobre a importância da amizade e do autoconhecimento.

Crítica

A primeira metade de Skate Kitchen exalada frescor ao abordar a trajetória de Camille (Rachelle Vinberg), jovem marcada por descobrimentos decorrentes do encontro com uma turma que a faz sentir-se pertencente. Filha de uma mãe que trabalha exaustivamente, contrária ao seu hobby de andar de skate, ela é uma das que resiste aos estereótipos, quebrando o estilo bruto da paisagem masculina das pistas de Nova York. Antes de encontrar as novas parceiras, ela se fere após uma manobra e os meninos em volta fazem chacota com relação ao sangramento do ferimento, que se confunde com o período menstrual. A cineasta Crystal Moselle se detém nessa quebra de paradigmas que o protagonismo das adolescentes oferece, com a desconstrução da idealização de feminilidade, tornando esse conceito múltiplo e abrangente. O elo rápida e fortemente estabelecido lembra bastante o das personagens de Garotas (2014), filme da cineasta francesa Céline Sciamma.

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Diversos momentos de Skate Kitchen são caracterizados por uma construção imagética que acentua as transformações pelas quais Camille passa na companhia das amigas. Cinema é movimento. Aqui, tal máxima é contemplada não apenas no expressivo acompanhamento físico das manobras, com a imagem colada na expressividade corpórea, mas também na maneira como são registrados e, por conseguinte, valorizados pequenos gestos. Ao invés, por exemplo, de justapor plano médio e detalhe, a realizadora prefere criar um percurso fluído, desenhado dentro de uma mesma tomada, gerando uma espontaneidade bem-vinda. Embora não haja aprofundamento na personalidade das colegas, é muito bem aproveitada a dinâmica entre todas, com contribuições distintas para o crescimento da protagonista. Ela encara um mundo totalmente novo, onde mulheres exercem abertamente sua sexualidade e certos comportamentos, para ela basicamente subversivos, são encarados pelas demais sem tabus.

Porém, em dado instante, Skate Kitchen sai ligeiramente dessa delineação rica de uma camaradagem que faz Camille sentir-se amparada e compreendida, e aposta numa curva descendente rumo ao isolamento. A intenção de Crystal Moselle é bastante clara, ou seja, fica evidente, pois marcado e reiterado, que o desejo dessa guinada é mostrar como a própria figura central pode cometer enganos, inclusive pela imaturidade inerente à sua idade. Mas, a forma como essa danação é engendrada deixa a desejar pela falta de sutilezas, nesse sentido traindo o sensível estudo pregresso da personagem. Ávida por encontrar aprovação, ela se aproxima gradativamente de Devon (Jaden Smith), colega de trabalho, ex-namorado da amiga que lhe ofereceu guarita quando morar com a mãe passou à esfera do insustentável. Essa relação direta, com o posterior dissenso alimentado ao ponto de ocasionar uma ruptura relativamente violenta, coloca o filme num terreno conhecido, dirimindo suas especificidades.

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Essa rivalidade feminina alimentada pelo interesse romântico/sexual num homem depõe contra a singularidade de Skate Kitchen, pois apresenta uma dinâmica alinhada ao senso comum. Tomando a atitude de diminuir a participação das coadjuvantes em prol dos dilemas, estritamente, da protagonista, Crystal Moselle enfraquece o enorme potencial fomentado até então, ainda que tenha pulso o bastante para não deixar a trama descambar para algo banal ou irrelevante. Há, de fato, um aprofundamento na individualidade de Camille, com a apresentação de atitudes completamente reprováveis, como a “traição” que leva ao colapso da lua-de-mel com o grupo que a acolheu. A conveniência da falsidade direcionada justamente à amiga próxima deixa a personagem à mercê de um julgamento moral, mas, novamente, a diretora consegue contornar essas armadilhas autoimpostas por meio do esmero com que trabalha a deflagração das fragilidades dos personagens em cena.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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