Crítica
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Sinopse
Em Viciados em Amor, as atenções se voltam a personagens múltiplos que vivem em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Entre eles está Steven, um compositor em crise criativa que redescobre a sua antiga e poderosa paixão pela música após uma noite de aventuras amorosas.
Crítica
Em certo momento da trama de Viciados em Amor, longa escrito e dirigido por Rebecca Miller, o jovem casal Tereza e Julian (os novatos Harlow Jean e Evan Ellison, respectivamente), após vários problemas enfrentados até poderem ficar juntos, descansam um nos braços do outro quando ele, incomodado com o silêncio da namorada, a questiona sobre o que há de errado. A garota, meio que saindo de um transe, responde de modo bastante sincero: “tenho medo de que a gente esqueça de quem nós somos agora”. Essa revelação, que num primeiro momento parece ser por demais íntima e pensada apenas para o que os dois estão enfrentando, pode também ser o grande tema em debate deste que é o sétimo longa da cineasta. Filha do grande dramaturgo Arthur Miller e esposa do triplamente oscarizado Daniel Day-Lewis, ela tomou a sábia decisão de não disputar as mesmas atenções que esses dois homens de imensa envergadura naturalmente atraem. Assim, vem construindo um cinema muito mais discreto, mas não menos interessante. Um olhar de mundo que agora ganha mais um capítulo digno do interesse levantado.
Afinal, não é apenas pelo nome da realizadora presente nos bastidores da produção que esse é um título a ser encarado com sobriedade, mas também pelo elenco reunido. Se Peter Dinklage naturalmente desperta curiosidade, principalmente pela oportunidade de vê-lo como protagonista e não numa fantasia sangrenta (Game of Thrones, 2011-2019), num romance de época (Cyrano, 2021) ou mesmo em qualquer aventura fora da realidade (X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, 2014, ou Vingadores: Guerra Infinita, 2018), ao seu lado estão duas premiadas atrizes que também não passam desapercebidas. Anne Hathaway aos poucos tem se tornado uma caricatura de si mesmo, vendo-se refém de personagens muito aquém do seu talento, e aqui, por mais que o mesmo risco apareça novamente, é com prazer renovado que ela se apresenta mais frágil, permitindo vislumbres de aspirações nunca realizadas por mais de uma fachada da mulher forte, decidida e um tanto dominada pelas próprias manias. Por outro lado, Marisa Tomei é uma alegria renovada a cada novo trabalho. Dessa vez, ela surge como a condutora de um navio de carga (!). A escolha inusitada, no entanto, acaba fazendo pleno sentido. Mais estranho são alguns dos seus diálogos, com frases como “sou viciada em histórias de amor” ou “fui condenada e ficar um ano sem assistir a nenhuma comédia romântica”. Parece surreal, mas, com ela, as frases soam quase naturais.
Patrícia (Hathaway) é psiquiatra e esposa de Steven (Dinklage), compositor de óperas que já teve seus grandes momentos, mas há um bom tempo vem enfrentando um bloqueio criativo. Durante um passeio com o cachorro cruza ao acaso com Katrina (Tomei), mulher sexy e decidida que acaba o levando para a cama (e para a sua embarcação). De lá ele sai não apenas renovado, com um misto de culpa e excitação, mas também tomado por uma inspiração crescente como há muito não lhe ocorria. Uma nova peça lhe surge e o resultado é um sucesso. Porém, nem todo resultado positivo para um terá o mesmo impacto em outro. Assim que Katrina toma conhecimento da obra surgida a partir do encontro dos dois, fica convencida que tudo só foi possível por causa dela, vendo a si mesma como uma musa criadora. Não precisa muito esforço para identificar que o casal Patricia e Steven não anda muito bem, mas seria a separação – ou a decisão dele de trocá-la por outra mulher – o melhor a ser feito?
Nesse mesmo espectro afetivo, Magdalena (Joanna Kulig, a musa polonesa de Guerra Fria, 2018) e Trey (Brian d’Arcy James, de Spotlight: Segredos Revelados, 2015) também não se encontram em plena sintonia. Certas obsessões dele – um anseio por controle na dinâmica familiar, tão desnecessária quanto a predileção por participar de reconstituições à fantasia, quase uma versão cosplay de personagens históricos – estão aos poucos o afastando daqueles ao seu redor, e a esposa é a primeira a perceber. Esses universos aparentemente tão distantes entram em conflito quando se descobre que Julian é filho de Patricia e Steven, enquanto Tereza é filha de Magdalena e Trey. A tensão se intensifica, porém, pelo fato de a mãe da garota ser empregada doméstica na casa dos pais do rapaz. Ou mais, quando uma questão legal pode não apenas por fim ao relacionamento dos jovens, como também afetar de vez todos os casais da trama – não somente colocando a pedra final em alguns, como também possibilitando o ressurgimento de outros.
Entre idas e vidas, como costuma ditar a cartilha das comédias românticas mais tradicionais, Viciados em Amor explora seu potencial a partir do título – que pode ser lido tanto de forma literal, como se ela “tivesse vindo até mim”, ou seja, uma referência à musa inspiradora, como também de maneira muito mais sexy, pelo uso do verbo came enquanto referência ao gozo. Esse prazer, sentido tanto pelos que estão começando uma caminhada juntos como por aqueles que há muito imaginava terem se perdidos – mas que, enfim, agora percebem terem se encontrado um no outro – é não só fruto dessa união, seja ela ocasional ou não, mas também da soma de personalidades, do que cada um é e o quanto permite que aquele que se aproxima junte-se a si. São interpretações pertinentes, talvez nem sempre encaradas com a profundidade que se desejaria, mas presentes em cena o bastante para estimular uma reflexão não descartável. Em um deserto de ideias como se costuma identificar nesse gênero, qualquer sinal de mudança pode ser um alento. Mesmo que, no final das contas, volte-se a circundar lugares há muito conhecidos.
Filme visto durante o 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 6 |
Daniel Oliveira | 6 |
Alex Gonçalves | 4 |
MÉDIA | 3.3 |
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