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Sinopse

Em uma noite de maio, sete anos atrás, Rafael chegava em casa depois do trabalho. Quando abria o portão, alguém chamou seu nome. Ele olhou para o lado e viu pessoas que não conhecia. Rafael saiu de casa carregado pelos desconhecidos e nunca mais voltou para casa. Desde então vive como se aquela noite nunca tivesse terminado.

Crítica

Para representar a história trágica e extraordinária de Rafael, o diretor Affonso Uchôa utiliza uma série de procedimentos raramente dispostos em conjunto: primeiro, a ficção assumida, depois, o dispositivo próximo do documentário, em seguida, uma ficcionalização deste mesmo dispositivo documental, e para terminar, uma representação metafórica da violência policial nas periferias. Em cerca de 40 minutos, o média-metragem se reinventa e se transforma, buscando na pluralidade de linguagens uma maneira multifacetada de representar o caso do jovem acusado injustamente de tráfico de drogas, e então torturado por policiais e exilado fora de seu Estado, enquanto mergulhava na dependência do crack. Sete anos depois, Rafael ainda não concretizou o desejo de voltar para casa, onde a mãe lhe espera.

O diretor carrega as imagens de uma tensão constante, seja pelo conteúdo narrado, seja pela forma escolhida. Primeiro, quando um personagem é arrastado até a proximidade de um foco de incêndio, sendo acusado de tráfico, o espectador pode suspeitar dos pretensos policiais, usando chinelo e se comunicando com a linguagem dos moradores de comunidades. Seria uma brincadeira? Uma encenação fictícia entre amigos? Mais tarde, quando o rosto de Rafael ocupa a tela, durante um longuíssimo depoimento de seu calvário em plano-sequência, o procedimento aparenta ao mesmo tempo extremamente documental e extremamente fictício: documental, porque a fala soa despida de técnicas de atuação, de efeitos de luz ou de qualquer ingerência na expressão do protagonista; e fictícia, porque o olhar está voltado para algum ponto no horizonte, e não para a câmera (como se o rapaz ignorasse a presença da câmera colada ao seu rosto), e porque o discurso soa tão fluido, sem hesitação ou repetições, que se aproxima do roteiro escrito.

Por mais tentador que seja determinar o limite entre a ficção e o documentário, entre o controle e a espontaneidade, Sete Anos em Maio fascina justamente por esta zona intermediária na qual o espectador é convidado incessantemente a atribuir suas próprias leituras. O filme solicita um olhar ativo e empático, visto que a história deveria bastar por si só em suscitar indignação, tenha ela acontecido na vida ou não, do modo contado por Rafael ou em qualquer configuração análoga. Uchôa cria um dispositivo em que a narrativa se torna primeiro apenas imagem, sem explicações, e depois apenas explicações, sem as imagens equivalentes, cabendo ao público aproximá-los por meio de sua montagem mental. Se empregasse apenas um dos dois recursos, talvez fosse insuficiente (somente a reconstituição dos fatos, ou o depoimento), mas a junção de ambos provoca uma frutífera faísca na junção entre o áudio e o visual.

Um elemento curioso no relato de Rafael, para além da sustentação impecável do plano-sequência (por parte da equipe e do personagem), se encontra na mistura entre ternura e ódio, entre proximidade e distanciamento. Tendo vivido os acontecimentos, o personagem poderia atribuir um compreensível teor emotivo ao relato, no entanto, discorre sobre os fatos como se não fosse mais afetado por eles. Embora narre um problema gravíssimo – a violência policial, as práticas de tortura e os julgamentos sumários e ilegais –, sustenta uma delicadeza quase infantil, quando o narrador evoca a vontade constante de voltar para a casa, reencontrar a mãe, o que lhe parece impossível desde que fugiu. Ele poderia se posicionar como vítima, pária, vingador ou qualquer outra bandeira que lhe seria justa, mas Rafael apresenta a si próprio enquanto filho que gostaria de reencontrar a mãe, o quarto, a cama, e descansar. As luzes e a voz trazem um teor melancólico à narrativa brutal de desumanização.

Quando o monólogo se transforma em diálogo, ou seja, quando surge um interlocutor para interagir com Rafael, Sete Anos em Maio encontra provavelmente seu momento mais fraco: as falas se tornam duras demais na boca dos atores, talvez escritas em excesso. Seria um efeito proposital, para romper de vez com a aparência verídica da recente confissão? De qualquer modo, o belo e instigante filme se conclui com uma das melhores representações da frase de Conceição Evaristo: “Combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”. A morte de jovens de periferia é transformada numa espécie de jogo – mais uma vez, combina-se a gravidade dos assassinatos com a ludicidade da brincadeira. Uchôa nunca deixa de observar este episódio e seus personagens com uma afetividade ímpar. O filme comprova o imenso talento do diretor para a união entre humanismo e pesquisa de linguagem.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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