Crítica
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Sinopse
Sobrevivente do Holocausto, a protagonista tem 90 anos e mora em Berlim. Ela tenta encontrar um meio de acabar com a vida, mas a cada tentativa é apresentada a surpresas.
Crítica
O primeiro instante ameaça ditar o tom a ser seguido pelos próximos 80 minutos, ainda que seja tão direto quanto enganador. Em um fundo branco, sozinha na tela, a protagonista declara: “quero morrer”. A afirmação, mesmo vindo de uma nonagenária, causa espanto, ainda mais uma sociedade como a ocidental, que tem por hábito valorizar a vida, a energia, a juventude, as atividades, o desfrute de tudo que é possível e ao alcance. O cidadão desse lado do mundo não está acostumado a pensar no que acontece depois, na continuidade da alma, no legado a ser deixado. Essa senhora, portanto, também não desfruta dessas vontades. Ela quer, apenas, colocar um fim. “Já sobrevivi a tanto, inclusive ao holocausto. Permita que agora eu decida acabar com a minha existência”, declara a um dos tantos interlocutores que irão cruzar por seu caminho. Sim, pois essa é a história de uma mulher decidida ir embora. Mas, apesar dessa certeza, Senhora Stern não é um filme deprimente ou por demais soturno. Em algumas passagens, aliás, é justamente o oposto. Uma interessante contradição que o torna, veja só, também retrato de uma inesperada esperança.
Essa expectativa gerada se verifica tanto em cena, pelo modo como a velha senhora toca a vida daqueles ao seu redor, como também por trás das câmeras, ao revelar um cineasta decidido a não ficar parado e disposto às necessárias e eventuais experimentações para expor o que tem a dizer. Anatol Schuster, além de dirigir e ter escrito o roteiro, também foi responsável pela edição e pela produção do projeto. Ou seja, fica claro que este era um longa que precisava ser feito, e que seu realizador não se deixaria abater pelas eventuais inseguranças e complicações que surgissem pelo caminho. Essa urgência, em parte, dava-se também pelo grande achado dele: Ahuva Sommerfeld, uma mulher judia que nunca havia se envolvido com cinema, mas que, a partir da relação com o cineasta, aceitou o convite para viver na tela a personagem-título. Stern é Ahuva, ainda que Ahuva tenha sido muito mais do que Stern. É essa percepção, do tanto que ainda havia a ser dito, que faz desse um conjunto tão estimulante.
Sim, pois mesmo com tanto a ser dito, não são exatamente as revelações que irão representar o melhor da trama. O que importa, de fato, é a protagonista, mais do que aquilo que acaba por lhe acontecer. Suas andanças pelas redondezas em busca de alguém que lhe venda uma arma, a reação ao ser apresentada ao traficante que leva drogas para a neta, um rapaz gay que só usa roupas justas para ciclistas, ou mesmo numa das sequências mais insólitas, quando decide se matar deitada no trilho de um trem, há um humor insuspeito que percorre a narrativa, oferecendo melhores possibilidades de entendimento a respeito dessa mulher do que qualquer discurso seria capaz. O fato é que sua forma de ver o mundo e a própria participação nele é bastante prática, desprovida de sentimentalismos baratos ou jogadas emocionais gratuitas. Seja numa conversa solitária com a atendente do bar que frequenta há anos ou diante de um apresentador de um programa de entrevistas em rede nacional, ela é sempre a mesma. E essa, definitivamente, é a herança a ser deixada.
Mas que não se engane o espectador levado a imaginar que tal figura está mais envolta com questões existenciais e menos práticas. Stern sabe bem o valor das coisas, do que viveu e por onde passou, e até hoje, tendo deixado Israel e morando na Alemanha há tanto tempo, insiste na mesma rusga contra os naturais desse país. “Não esqueço de nada. Lembro bem de tudo o que vivi. Sei que os alemães que vieram depois não possuem culpa, mas aqueles que, como eu, insistem em permanecer vivos, estes sabem bem o quanto estão envolvidos com o que aconteceu. É por isso que meus amigos são muito mais jovens do que eu”, explica sem meias palavras. E não fala da boca pra fora. Seja experimentando maconha com a neta ou correndo na garupa junto a um grupo de adultos que até pouco tempo atrás eram não mais do que adolescentes, mesmo sem abrir mão de sua determinação, sente-se pronta para a aventura a seguir. Enganar aqueles que pensam ser capazes de ludibriá-la ou embarcar uma viagem derradeira sem os devidos preparos, tudo acaba tendo o mesmo peso. “Não lhe falei antes porque não queria lhe preocupar”, se desculpa, quando pega pela filha única.
Representante legítimo de um cinema que pulsa a partir de suas vontades e menos por um profundo conhecimento técnico, Senhora Stern também não faz feio diante de julgamentos mais severos, muito por sua eficiência em envolver a audiência com os possíveis desdobramentos e atitudes de uma mulher que sabe o que quer, mas se recusa a ceder à inércia e permitir que a próxima descoberta passe em vão. Por isso, vai ficando, quem sabe pelo brinde a seguir, pela canção que merece ser cantada ou mesmo por algo que desconhece, mas anseia por ser surpreendida. Muito, é fato, ficou pelo caminho, e o corpo tem o seu preço, que nunca tarda em ser cobrado. Mas, também, é o passo, e não o destino, que no final das contas importa mais. Afinal, como diz o ditado, o diabo é sábio por ser velho, e não por ser quem é. Assim também é essa que se diz pronta para sair, ainda que tenha tanto pelo que ficar.
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