Crítica


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Sinopse

Memórias afetivas de torcedores e funcionários da Sociedade Esportiva Palmeiras, um dos clubes de futebol mais conhecidos do Brasil, são entremeadas por imagens de máquinas, aço e concreto, sintomas da transformação do estádio Palestra Itália em Allianz Parque.

Crítica

Entre todas as abordagens possíveis para representar o amor pelo futebol, é interessante que este documentário se concentre no apego ao estádio enquanto construção física – ou seja, não tanto o espaço de encontros e acontecimentos, ou a sede de alguma grande partida em particular, e sim a construção física. Rogério Zagallo filma as cadeiras, os corredores, os degraus de concreto levando ao campo, as vigas, as colunas. Em especial, acompanha a destruição física do antigo Palestra Itália para a construção do atual Allianz Parque no mesmo lugar. O filme acompanha cuidadosamente cada bloco de concreto e aço construído, para ser então refeito do zero, até a finalização do estádio contemporâneo.

O cineasta não demonstra muita preocupação em contextualizar essa transformação. Por que exatamente o estádio anterior precisou ser destruído? Tratava-se apenas da necessidade de aumentar a capacidade, ou ele descumpria alguma regra para sediar a Copa do Mundo de 2018? Em que medida este projeto dialogava com demais reconstruções de estádios acontecendo em todo o país? Como foi escolhida a empresa que cuidou da revitalização? Sem fornecer respostas a esses questionamentos, Zagallo parte para a constatação dos fatos: um novo estádio foi erguido, o que leva a um inevitável sentimento de nostalgia por parte dos fãs e antigos jogadores do Palmeiras. Dentro do modelo convencional dos talking heads, a narrativa coleciona depoimentos de ex-jogadores ao revisitarem o espaço, revelando as boas lembranças que tiveram por lá, a primeira vez que levaram os filhos pequenos ou quando marcaram seus principais gols.

O melhor momento de Segundo Tempo encontra-se na filmagem do novo estádio sendo construído. Quando a câmera observa, sem trilha sonora nem narração em off, o balé das vigas sendo colocadas em seus lugares, as cadeiras sendo parafusadas uma a uma, os rolos de grama chegando e sendo desenrolados pela extensão do campo, além de cada cabo de eletricidade tomando os bastidores, percebe-se o gigantismo do projeto e a soma dos esforços necessários para atingir uma construção deste porte. Zagallo possui bom olhar para enquadramentos, valorizando não apenas o espaço, mas também a proporção minúscula de cada ser humano ali dentro. É uma pena que, apesar da fascinação pela construção, o filme não se preocupe em entrevistar um único operário para descobrir o que sente sobre participar deste projeto, para qual time torce, se já tinha assistido a algum jogo no antigo Palestra Itália. Os verdadeiros criadores deste espaço mítico, embora estejam tão perto das câmeras, permanecem anônimos.

Ainda mais contestável é a decisão de afastar do documentário qualquer elemento capaz de prejudicar a imagem de local de culto. Em 2013, três vigas desabaram, levando à morte de um funcionário, e deixando outro ferido, mas o episódio é convenientemente ocultado. Neste mesmo ano, o Ministério Público buscou o embargo da obra por irregularidades. A construção foi atrasada diversas vezes, e quando enfim concluída, gerou um processo judicial entre o Palmeiras e a construtora WTorre. Nada disso aparece no filme. Talvez tamanha generosidade tenha permitido o acesso privilegiado a momentos-chave da demolição e da reconstrução, conversando com tantos jogadores importantes. Zagallo cria uma imagem pura, inofensiva e exclusivamente positiva da nova Arena Palmeiras. Rumo ao final, o roteiro enfim deixa entrar os fãs, que discorrem sobre seu amor pelo time, sobre os melhores episódios vividos dentro do estádio e dos arredores. A paixão clubista toma o filme no último terço, quando o projeto de louvor à Arena se converte num veículo de sustentação mais amplo para o Palmeiras como um todo.

Quanto às conversas com os jogadores, a exemplo de Ademir da Guia, Marcos e Evair, o conteúdo possui a vantagem de ser despretensioso e familiar. Zagallo consegue deixar seus entrevistados confortáveis, transformando as falas em algo próximo de um bate-papo entre amigos num bar, algo particularmente bem-vindo para um projeto de estrutura próxima ao institucional. No entanto, tamanha leveza também significa que o diretor não conduz seus personagens a qualquer zona de conflito, limitando-se à retórica típica do futebol, tantas vezes parodiada por fãs e pela mídia. Eles narram a “alegria da vitória e a tristeza da derrota”, nas palavras de Marcos, enquanto multiplicam falas sobre a dedicação dos jogos e a emoção de entrar em campo. Nada de novo, afinal, para além do retrato de afetos. O Allianz Parque ganha um retrato bondoso e um tanto ingênuo de seu valor simbólico para os fãs, para os jogadores e para aquela região particular de São Paulo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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