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Talvez a melhor imagem para descrever o relacionamento que se dá entre as duas personagens principais de Segredos de um Escândalo seja o de um embate entre dois predadores na savana africana, como um leão e um jacaré. Um pode ter a selvageria e a majestade, mas o outro não é menos perigoso, por mais que fique por horas (dias, meses, anos) imóvel e aparentemente inofensivo. São figuras que podem, num descuido momentâneo, facilmente acabar com a ameaça que seu oponente representa. Mas, em iguais condições, não se permitirão ser abatidos sem muita luta e esforço. Ao mesmo tempo, quem os vê de longe, pode imaginá-los como seres que convivem em uma paz arranjada, um aproveitando as benesses que o outro lhe proporciona, e vice-versa. Há interesse envolvido, anunciado até certo ponto, mas em grande parte dissimulado e até mesmo escondido. Elizabeth precisa da experiência que apenas Gracie pode lhe proporcionar, enquanto que essa necessita do olhar da recém-chegada para validar sua vida e existência. Ambas existiam apartadas, mas renovam suas forças quando juntas. Da mesma forma, o filme de Todd Haynes se mostra maior quando a dupla está no centro das atenções.
O título original não dá conta de abraçar a complexidade da trama. May December (Maio Dezembro, em tradução literal) é uma expressão norte-americana empregada para designar relacionamentos românticos entre duas pessoas com grande diferenças de idades – em uma interpretação mais lírica enquanto um está prestes a conhecer seu verão (maio, no hemisfério norte), a outra vive pleno inverno (dezembro). Essa é a realidade do casal Gracie e Joe, que se conheceram quanto ela tinha 36 e ele de vinte anos a menos (entre 13 e 14). Ou seja, é o tal escândalo do batismo recebido no Brasil, que também se mostra insuficiente – e até um tanto sensacionalista – em apontar a verdade por trás dessa história. Afinal, não há muitos segredos envolvidos. Gracie conheceu Joe quando ele era colega de escola do filho dela, e o envolvimento entre eles, por mais que fosse proibido, não se manteve às escondidas por muito tempo. Mas isso foi no passado. Foram descobertos, ela acabou presa (mais de uma vez), se reencontraram tempos depois e seguem juntos até hoje, mais de duas décadas depois, compondo uma família aparentemente normal, com filhos e uma casa grande (quase) sempre cheia de amigos.
Mas não é nesse imbróglio que Haynes e a roteirista Samy Burch (estreante na função) estão interessados. A abordagem deles se dirige ao presente, e não mais no passado. Pois é quando Elizabeth chega que o casal ganha uma injeção de vitalidade. Afinal, desde o começo, às escondidas, e principalmente depois, quando colocado sob o julgamento público, que estão acostumados a esse tipo de atenção. No entanto, o passar dos anos lhes proporcionou um tipo de normalidade que provavelmente tenham custado a se adaptar – e talvez ainda não encontrado o ponto certo. A novata é uma atriz de televisão – popular, mas em busca de uma aprovação crítica que apenas um trabalho de respeito no cinema poderia lhe proporcionar – que recebeu a oportunidade de interpretar essa mulher mais velha (não em sua situação atual, mas pelo que ela passou tanto tempo atrás) em uma adaptação ficcional do ocorrido para a tela grande. Está, portanto, em um processo de laboratório. Quer aprender a ser a outra, não apenas entender suas motivações, mas em até certo ponto, se transformar naquela pessoa, agindo e se portando como tal.
Quem levou esse roteiro até Haynes foi Natalie Portman, que pegou para si o papel de Elizabeth. Assim, encontrou caminho para deixar de lado composições afetadas pelo caos exterior, como as vistas em alguns dos seus desempenhos mais incensados – Cisne Negro (2010) e Jackie (2016), por exemplo – ao se colocar na posição de uma observadora repleta de segundas intenções, aproximando-se, portanto, de uma inocente, porém ardilosa, Anne Baxter no clássico A Malvada (1950), entre tantas outras referências. Para defender Gracie, no entanto, foi chamada Julianne Moore, que não apenas responde pelos melhores diálogos do filme, como também é dona da personalidade mais complexa, indo da infantilidade calculada a fazer do marido um homem mais maduro do que de fato ele é (um competente Charles Melton) à manipulação constante do que permite ou não que a visitante tenha acesso, mostrando estar um passo adiante da outra sedenta por informações. O diretor, por sua vez, se mostra em casa, mais uma vez transitando por tramas potencialmente provocadoras e dispostas a sacudir um status quo planejado, como nos anteriores Longe do Paraíso (2002) e Carol (2015), entre outros.
Por mais que o espectador seja convidado a acompanhar o passos de Elizabeth nesse mergulho por um mundo que lhe é tão fascinante quanto estranho e o que irá aproveitar dessa vivência como material para o desafio que terá adiante, ou tenha se surpreendido com um ex-galã adolescente (Melton esteve em Riverdale de 2017 a 2023 e em rom coms como O Sol Também é uma Estrela, 2019) carregando com segurança um tipo dramático, está sobre os ombros da veterana Moore o mistério e a prazer progressivo em vê-la no comando de uma dinâmica na qual todos parecem saber o que pensar a seu respeito mesmo sem conhecê-la, quando a palavra final, indiscutivelmente, será dela própria. Está no não dito, nem mesmo insinuado, mas percebido em trocas de olhares e em frases de duplos (ou terceiros) sentidos suas reais intenções, indo além de uma mera exposição dos Segredos de um Escândalo. Todd Haynes tem ciência do que tem em mãos, tanto em texto quanto em cena, e por isso sabe da sua responsabilidade em abrir espaço para as idas e vindas entre duas mulheres sedentas por atenção e um homem, talvez não mais do que uma criança, usada como bibelô por elas. O real está além do que se vê, e é este o maior dos méritos.
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Achei o roteiro meio desconectado e o filme muito escuro.