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Sinopse

Depois de um episódio trágico que abalou os Estados Unidos, Jacqueline Kennedy se torna inesperadamente viúva. E nos quatro dias que sucederam o assassinato de seu marido, o então presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, ela tem de ponderar muitas coisas.

Crítica

Em sua estreia hollywoodiana, o chileno Pablo Larraín preserva o viés político de sua filmografia ao expor um olhar particular sobre um dos mais emblemáticos acontecimentos da história dos Estados Unidos, o assassinato do presidente John F. Kennedy, tendo como foco o impacto da tragédia sobre outra figura igualmente icônica: a primeira-dama Jacqueline Kennedy (Natalie Portman). Mantendo-se fiel ao seu estilo autoral, Larraín foge da estrutura convencional das cinebiografias, tendo em mãos o exemplar roteiro de Noah Oppenheim, que opta por fechar o núcleo da trama nos quatro dias que sucederam o atentado, incluindo fatos como a posse de Lyndon B. Johnson (John Carroll Lynch), a morte do atirador Lee Harvey Oswald e os preparativos do suntuoso cortejo fúnebre de JFK.

Adotando uma narrativa não linear, com consecutivas idas e vindas temporais, Larraín realiza um filme conciso, com uma noção clara de como direcionar e potencializar sua carga emocional, vide o modo como apresenta gradativamente os momentos dramáticos de tensão do assassinato, revelando-o em sua plenitude apenas próximo ao desfecho para elevar seu impacto. Costurando a teia de informações do filme, temos dois acontecimentos-chave: o notório especial de TV A Tour of the White House with Mrs. John F. Kennedy, no qual Jackie, ao lado do apresentador Charles Collingwood, exibe as restaurações feitas por ela na Casa Branca, e uma entrevista concedida a um repórter (Billy Crudup) – não identificado no longa, mas baseado em Theodore H. White, da Revista Life – uma semana após a morte do marido.

Como parte da construção estrutural pretendida, o cineasta volta a utilizar, de modo mais comedido, a fragmentação na montagem das cenas mais longas de diálogo, como visto em Neruda (2016). Essa escolha ajuda a transmitir a ideia de estarmos diante de vestígios das lembranças da mente ainda abalada de Jackie, realçando o turbilhão de sentimentos vividos por ela nesse conflito entre o luto pessoal e as obrigações diplomáticas que envolvem sua posição como esposa do ex-líder da nação. Esse senso de desorientação pode ser sentido logo no primeiro plano do filme, um close no rosto de Portman, cujo tormento é amplificado pela excepcional trilha da britânica Mica Levi. Através das notas graves, por vezes dissonantes, da compositora, que geram certo desconforto, Larraín transporta o espectador para o caos deste período na vida de Jackie.

O chileno desmantela o jogo de aparências estabelecido em meio à dor, ao mesmo tempo em que desmembra as camadas escondidas por baixo da máscara “política” de Jackie. Para isso, ele conta com uma composição extremamente convincente de Portman, que assume todas as personas da protagonista - da mãe à primeira-dama energética, da personalidade midiática à mulher fragilizada. Fragilidade essa que ganha espaço em cenas íntimas de pura delicadeza, como quando Jackie se despe das roupas ainda ensanguentadas para tomar banho ou na montagem na qual vaga pela Casa Branca, afogando seu sofrimento em álcool, comprimidos e cigarros. Há também ótimos momentos em que compartilha seus anseios com outras personagens, como a secretária e amiga Nancy Tuckerman (Greta Gerwig) ou Bill Walton (Richard E. Grant), com quem trabalhou na redecoração da moradia presidencial.

Outras sequências que revelam mais de sua personalidade, e que funcionam como fugas confessionais, são aquelas divididas com o padre (John Hurt), quando as turbulências do casamento são expostas, bem como um lado menos edificante da imagem de JFK, ainda que esta não seja efetivamente manchada. Portman encarna com precisão as nuances da personagem em todas essas situações. Na fala articulada e de tom sereno, no andar e nos gestos calculados e elegantes, a atriz constrói não só a figura já estabelecida perante o público pela mídia, como também sua outra face, a humana, até então pouco explorada. Mas, acima de tudo, Portman emana a força de Jackie como mulher no meio masculino da política, seja nos embates com o cunhado Bobby (Peter Sarsgaard) ou na maneira como conduz a entrevista com o repórter vivido por Crudup.

O poder de persuasão e a obstinação demonstrada em sua missão de propagar o legado do marido são os elementos que realmente interessam a Larraín. Nesse contexto, a cena em que questiona o motorista do carro que transporta o caixão sobre o que ele sabe sobre outros presidentes assassinados - James A. Garfield, William McKinley e Abraham Lincoln – é fundamental para compreendermos os desejos reais de Jackie. Ao oferecer um funeral tão grandioso quanto o de Lincoln, mesmo isso significando bater de frente com os membros do gabinete, que temiam pela segurança dos convidados, ou ainda a exposição desnecessária dos filhos, Jackie buscava não só elevar Kennedy à condição de mito arturiano, em referência à Camelot do musical de Alan Jay Lerner e Frederick Loewe, como também cravar seu próprio nome na história. Algo confirmado na cena em que vê da janela do carro as vitrines das lojas com os modelos de seus vestidos e os manequins sendo descarregados dos caminhões. Ainda que dentro das limitações da época sobre a influência que uma figura feminina poderia exercer – símbolo de beleza, moda, comportamento – Larraín prova que Jackie foi capaz de fugir à sombra do marido para se firmar como uma das mulheres mais importantes da história americana.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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