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Sinopse

Tony Montana é um refugiado cubano em Miami que abre seu caminho à bala rumo ao topo do império do narcotráfico local.

Crítica

Ao invés de se encarregar de uma simples refilmagem do clássico Scarface: A Vergonha de uma Nação (1932), dirigido por Howard Hawks e Richard Rosson a partir do romance de Armitage Trail, Brian De Palma e Oliver Stone preferiram promover uma reinvenção da história do gângster marcado por uma cicatriz no rosto que se torna o bandido mais temido de sua região pelo uso da extrema violência, ao mesmo tempo em que estas exatas características serão responsáveis pela sua desgraça. Stone (roteirista) e De Palma (diretor) optaram por se adaptar aos novos tempos, pulando estas décadas que separam o filme original de seu Scarface para dar-lhe um ar mais contemporâneo e, ao mesmo tempo, caótico e insano. O resultado é atingido, o que também não significa que o caminho escolhido tenha sido o mais feliz.

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Ao invés de Paul Muni com sua pinta de galã e terno bem alinhado, o protagonista ganha o rosto de um Al Pacino muito bronzeado para se fazer passar por refugiado cubano. Em 1980, ele chega a Miami junto a dezenas de outros compatriotas, como parte de um movimento recém instaurado pelo governo americano de acolhimento de perseguidos políticos. Só que Cuba, sabendo dessa ação que iria contra seus interesses comunistas, decide permitir que a grande maioria daqueles passíveis de imigração sejam presidiários, ladrões e bandidos da pior espécie. Assim, a ilha se livrou daqueles que não mais lhe interessavam E da mesma forma, os Estados Unidos ganhou uma leva de maus elementos que contribuíram decisivamente para fomentar o crime e a desonestidade no país. Entre esses estava, justamente, Tony Montana (Pacino).

Recém chegado ao lado do amigo Manny Ribera (Steven Bauer, que voltaria a trabalhar com o diretor em Síndrome de Caim, 1992), Montana rapidamente deixa de lado os empregos como lavador de pratos para se envolver com assassinatos por encomenda e tráfico de drogas. Suas atitudes enérgicas e postura corajosa acabam por chamar a atenção de um traficante local (Robert Loggia, indicado ao Oscar por O Fio da Suspeita, 1985), que o convida a trabalhar com ele. Mas Tony não quer ser empregado de ninguém, e sim tomar o posto daqueles que estão acima dele – não só nos negócios, mas também na cama, pois escolhe a namorada desse, a bela Elvira (Michelle Pfeiffer, em um dos seus primeiros papeis de destaque), como sua próxima conquista. Há ainda os resquícios de sua família – a irmã mais nova, que o idolatra (Mary Elizabeth Mastrantonio, indicada ao Oscar por A Cor do Dinheiro, 1986), e a mãe (Miriam Colon), que o despreza por conhecer bem sua vida do outro lado da lei. Suas tentativas de aproximação com as duas não só o levará à momentos de forte tensão, como também serão determinantes para sua derrocada.

Visto mais de trinta anos após o seu lançamento, é inevitável constatar que Scarface perdeu muito de sua força durante todo este tempo. A figura emblemática de Al Pacino de terno risca de giz ao estilo caribenho com uma metralhadora em punho na melhor postura ‘exército de um homem só’ se tornou um ícone pop, mas isso está muito mais ligado a uma memória afetiva do que a uma análise mais apurada da obra artística. O trabalho de Pacino (indicado ao Globo de Ouro, assim como Bauer, como Coadjuvante, e a trilha sonora over de Giorgio Moroder) persegue o exagero do início ao fim, sem meio termo em nenhum instante. Sua presença é sempre tão exaltada que chega a ser difícil ver o homem de verdade por trás de tanta brutalidade. Ele grita, berra, esperneia, mata quem se colocar no seu caminho e nunca demonstra qualquer tipo de remorso. O roteiro não se preocupa em dotá-lo de momentos intermediários, mais íntimos e profundos. O vemos invariavelmente no ápice – seja do vício nas drogas, na sede pelo poder, na ambição desenfreada, no descaso com tudo conquistado. Isso faz parte do personagem, que segue nesse espiral até ficar cego e descontrolado, mas seria interessante torná-lo um pouco mais humano para possibilitar uma identificação com o espectador. Do jeito que está, é muito mais um tipo, um estereótipo, do que um alguém provido de verossimilhança.

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Scarface peca em outros momentos também, com a já citada – e extremamente datada – trilha sonora usada ao excesso e o descaso com o destino de alguns dos envolvidos – Pfeiffer, que não faz muito além de garantir uma presença estonteante, simplesmente se levanta lá pelas tantas e vai embora, sem tchau nem até logo. Outras cenas, como quando Montana assassina o traficante que está de carona no seu carro (como o vidro da janela do carro não quebra com o tiro?) ou o envolvimento dos colombianos (precisava mesmo enforcar o suspeito de espionagem em um helicóptero para que todo mundo visse?), parecem elaboradas apenas para gerarem imagens de impacto, mas que pouco contribuem para o desenrolar da trama. E assim, o que se tem hoje é um filme marco de uma época, que talvez tenha um espaço garantido entre os admiradores do gênero, mas que encontra posição muito melhor nas lembranças de quem o conheceu no momento certo do que daqueles desventurados que se arriscarem a cruzar com ele nos dias de hoje.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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