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Sinopse

Federico chega ao monastério onde vivia o agora falecido irmão, exigindo que o corpo do mesmo seja enterrado em solo sagrado, ainda que tenha cometido suicídio. Para tanto, pede-se que a sua amante, Benedetta, confesse os seus pecados, salvando, assim, a alma do falecido. Enquanto a moça é submetida a diversas torturas no Século XVII, nos dias atuais, um russo deseja comprar o lugar onde um dia foi o monastério.

Crítica

O suicídio de um sacerdote obriga seu irmão Federico (Pier Giorgio Bellocchio) a deslocar-se até o monastério onde ele vivia. A missão de interceder pela alma do morto é ingrata. Pelas leis cristãs, alguém que tirou a própria vida não tem direito ao reino dos céus. Recai sobre Benedetta (Elena Bellocchiio) a responsabilidade pela atitude extremada do padre, ou ao menos a desconfiança, em virtude do relacionamento amoroso que eles tiveram, a despeito da proibição da igreja. Para os líderes católicos, a freira só poderia estar possuída pelo demônio no instante em que investiu com paixão para conquistar o santo homem. O pároco, por sua vez, entre as interdições dos votos e os ditames do desejo, preferiu a morte a não viver ao lado de quem amou. Sangue do meu Sangue mescla as noções de sagrado e profano, ora aproximando-se literalmente dos seres das trevas, ora mostrando determinados desdobramentos como resultantes de vontades e pulsões bastante mundanas.

Mesmo flagelada, Benedetta mantém um olhar firme, algo apenas quebrado pela presença do homem fisicamente semelhante ao falecido. Federico acompanha consternado o sofrimento da mulher, entre a ânsia de obter dela uma confissão e, assim, proporcionar ao irmão um enterro digno, por conseguinte a garantia do paraíso, e o envolvimento que ele tem com a encarcerada. O veterano cineasta Marco Bellocccio mostra os procedimentos medievais da Igreja Católica, a sanha dos religiosos em culpar o diabo por alguns instintos humanos, contudo deixando no ar muitas dúvidas a respeito da natureza de Benedetta, se apenas vítima da ignorância ou de fato alguém que firmou um pacto com o inferno para obter toda sorte de vantagens na terra dos vivos. Que inusitada e bela a cena de Federico tendo uma visão ao som de Nothing Else Matters, música da banda Mettalica, entoada por um coro de vozes “angelicais”, cujo efeito é ampliar a sensação de elevação espiritual.

A luxúria é elemento imprescindível ao clima de Sangue de mio Sangue. Não bastasse o “pecado” cometido por Benedetta, o de deixar-se tomar pela lascívia que, então, pretensamente teria enfeitiçado o padre, o próprio Federico se depara com os desígnios do desejo, no contato com as irmãs que o hospedam. Quando o destino de Benedetta é decretado, o filme muda radicalmente, inclusive de gênero, movimento apenas possível, sem danos, pelas mãos de um diretor com a envergadura artística de Bellocccio. O que vinha se desenvolvendo até ali como drama, transforma-se em comédia, ainda que seja mantido o espirito crítico e mordaz na abordagem. No presente, dois homens chegam à cidade para comprar o monastério já em ruínas, convertido muito antes em prisão. Nele mora o Conde (Roberto Herlitzka), um vampiro desgostoso com a modernidade, que vê com tristeza a nova geração de mordedores de pescoço ávidos por notoriedade, loucos para aparecer, sobretudo na internet.

Sangue do meu Sangue possui registros distintos e não se atém a estabelecer pontes sólidas entre passado e presente. Na primeira parte, voltamos no tempo para acompanhar a influência da religião na mediação das relações, numa época em que instituição também se colocava na condição de juíza para diferenciar certo de errado. Já na segunda, o vampirismo literal funde-se com o metafórico, afinal de contas, fantasmas do seguro social (ou de algum outro sistema que o valha) são tão parasitários quanto o imortal de aparência envelhecida que precisa tratar seus já debilitados caninos num dentista, como qualquer ser ordinário. Não fosse o resultado inteligente e instigante, a ousadia e a inclinação ao risco já seriam motivos suficientes para louvar o trabalho de Belloccio.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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