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Sinopse

Uma confissão íntima de uma pessoa que vive com HIV. Turbilhão de sentimentos. As primeiras sensações.

Crítica

Há quem diga que está no sangue o elemento crucial de Sangro. Afinal, foi nele e no seu exame, em que tudo começou. Ou talvez ainda antes, em tudo o que foi feito, os cuidados e as ausências desses, que levaram a uma análise tal que pontuasse na reflexão final apontada pela narrativa desse documentário realizado no formato de animação. Mas quem pensar dessa forma, estará irremediavelmente enganado. Afinal, o filme de Tiago Minamisawa, Bruno H. Castro e Guto BR não é sobre esse elemento que corre nas veias de cada um e menos ainda sobre o que sua constituição tem a dizer. Esta é uma obra sobre o depois. É no após tudo isso, na queda e na resolução em não apenas levantar mais uma vez, mas seguir em pé e ir em frente, aquela decisão que é renovada todos os dias, não apenas como uma tarefa a ser cumprida, mas como uma missão a ser celebrada, em que as atenções devem se concentrar. Poderia, tranquilamente, ser sobre a morte. Mas, pelo contrário, é na abundância da vida em que encontra a sua riqueza.

Eu poderia estar morto agora”, é a primeira frase dita em Sangro. Mas se a mesma chega a ser pronunciada, a conclusão lógica é poderia, mas não está. E se não está, o que teria acontecido para que assim se sucedesse? Uma decisão, apenas. A de viver. Narrado em tom confessional, o protagonista assume os receios e as dores da descoberta do vírus HIV em seu corpo. Em seu sangue. Dominando o seu ser. O anúncio, num primeiro instante, significa o fim. Mas o que vem a seguir? Ou melhor, o que fazer quando esse, gerado após tanta expectativa, simplesmente não acontece? O abrir dos olhos, o perceber-se vivo, o encontro com uma nova realidade. É disso que a narrativa trata, afinal. Da vida que surge quando mais nada dela se espera. Pois, se livre de todas as amarras, como não se deixar levar pelo mais profundo dos mergulhos? Como não permitir que a serpente venha, silenciosa e sorrateiramente, e faça o que dela se espera? Mas nem sempre o anunciado se cumpre como havia sido prometido. Um passo após o outro tem muito mais a ensinar do que toda a imaginação que circunda tão singelo gesto.

O que vem, então, é tanto surpresa quanto inadequação. Se acreditava que estaria morto, como agir diante de toda a vida que se desdobra à sua frente? É um novo começo, um momento inédito que se abre a partir daquele instante. Um renascimento, portanto. É isso que a declaração “é positivo” tem a dizer. Ilustrado de maneira arrebatadoramente hipnotizante, fazendo uso desde imagens clássicas até reconstruções contemporâneas, os diretores acompanham esse embate interno em rumo direto ao novo mundo que começa a se formar. “Muitos só estarão sabendo da minha real condição agora, ao verem esse filme”, é dito. Mas não é para eles o seu discurso. Se saberão ou não, isso é mera consequência. O que importa é o diálogo que, pela primeira vez, começa a se estabelecer entre ele e ele mesmo. É uma conversa consigo próprio. Quando nada mais pode ser escondido e tudo o que havia a ser dito já é mais do que sabido.

Sangro, enfim, transborda de emoções. Assim como o fluxo que não pode ser impedido, da mesma forma o depoimento de meros oito minutos permanece por muito mais com os seus espectadores, repercutindo sentimentos e esperanças aos borbotões. O processo é longo, presenciá-lo é doloroso, e por muitas vezes tudo que parece restar é o sofrimento e a desorientação. No entanto, vem deste aparente mal-estar a força necessária para o próximo movimento, seja ele qual for. Apenas respirar já diz muito. Pois mesmo quando tudo parece perdido, quando nada mais vale à pena, ainda resta um pulsar, uma batida do coração que, contrariando a solidão e o medo, emite um sinal forte demais para ser ignorado. Mais do que um indivíduo, fala-se por todos. E é justamente nessa universalidade que o filme apresenta o maior dos seus méritos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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