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Crítica


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Sinopse

No documentário Salão de Baile:This is Ballroom, a categoria é: cinema ballroom. Conduzindo-nos pelo salão, apresenta a cultura das Houses fluminenses, que se apropriam de influências estrangeiras e de elementos reconhecidamente brasileiros para construir um universo que mistura dança, música, moda e performance a partir das experiências queer periféricas e racializadas. Premiado no Festival do Rio 2024.

Crítica

Cultura undergound LGBTQIAPN+ afro-americana nascida nos Estados Unidos, o ballroom é o tema de Salão de Baile: This Is Ballroom, filme selecionado para a 11ª Mostra de Cinema de Gostoso. Juru e Vitã, que assinam roteiro e direção, optam por uma abordagem esclarecedora, por apresentar esse universo de forma didática e informativa. Isso ao ponto de o ballroom ser compreendido por alguém que está tomando contato pela primeira vez com tudo isso. Há a junção de vários grupos do Rio de Janeiro e da cidade vizinha de Niterói num espaço comum em que todos, todas e todes se apresentam nas modalidades do ballroom – que podem variar de competição de figurinos, carões, atitude de palco, flexibilidade, etc. Então, a cada nova categoria aparece alguém para explicar exatamente o que significa aquilo, quais os critérios levados em consideração pelos jurados, o que representam certos gestos, entre outras coisas. Falando assim pode parecer que estamos diante daqueles documentários quadrados em que a prioridade da informação dita um tom sisudo. Porém, é completamente o contrário. A pegada é energética, a montagem dinâmica e a junção de imagens que valorizam os corpos e música contagiante cria uma sensação de êxtase e celebração. Então, há a preocupação com o lado ilustrativo, mas sem perder de vista a ternura e da humanidade. E os personagens são indivíduos e corpos sociais.

Salão de Baile: This Is Ballroom é também um filme de personagens. Enquanto vai destrinchando as modalidades e aumentando o repertório até do público leigo a respeito da cultura ballroom, os realizadores enfatizam alguns dos participantes, em sua maioria membros da comunidade LGBTQIAPN+. E as falas de boa parte deles sempre caem na observação do salão de apresentação como um lugar de comunhão onde as pessoas se sentem pertencentes. E são também inúmeros os depoimentos de membros que conviveram com a agressividade das famílias preconceituosas, e que encontraram espaços comunitários de existência ao lado de outros frequentadores de ballroom. Portanto, na medida em que vão citando as regras e as hierarquias dessa forma de viver, existir e de ser valorizado em comunidade, Juru e Vitã também demonstram um interesse enorme pelas subjetividades que formam a cena. Desse modo, a aproximação daquele universo que ajudam a descortinar para o grande público nunca é dissociada da atenção ao fator humano. Em que pese a complexidade dessa entidade na qual cabem diversas identidades de gêneros e ancestralidades raciais. Mesmo que às vezes reiterem um pouco determinadas coisas desnecessariamente, Juru e Vitã conseguem fazer um documentário repleto de vivacidade, uma celebração da vida e da diversidade sem um romantismo gratuito. Mas com bastante glamour.

Cada depoimento adiciona uma camada de informação sobre o cenário ballroom, mas também reforça a observação de sua importância como elemento empoderador. Juru e Vitã não fogem das controvérsias. No último terço do documentário, é colocado o dedo em algumas feridas importantes de serem mantidas abertas enquanto ainda sangram e causam tanto prejuízo. Por exemplo, certos testemunhos trazem à tona a questão de uma continuidade do racismo e do machismo dentro de uma comunidade aparentemente tão aberta. Com isso, Juru e Vitã tornam ainda mais interessante e complexo o panorama sendo criado. Ao não fugir das contradições e das polêmicas, e tampouco ser sensacionalista diante delas, Juru e Vitã mostram as brechas que a normatividade e o conservadorismo secular ainda encontram para machucar. Por exemplo, flagram a utilização de códigos binários restritivos por certos frequentadores para desmerecer desafetos – sem que as pessoas tenham ampla consciência, dentro de um processo de desconstrução, que podem ferir alguém severamente.  Puramente do ponto de vista da estrutura narrativa, o que temos é uma sucessão de depoimentos dando conta ao mesmo tempo do particular e do coletivo, as apresentações que também servem para ilustrar esse dicionário de ballroom em forma cinematográfica. O que no fim sobressai é a reverência a uma arte do corpo.

Salão de Baile: This Is Ballroom enxerga a informação como ato de resistência, talvez por isso essa vontade de explicar as especificidades da cena ballroom como se estivesse dando uma aula a ignorantes sobre o assunto. Longe dos modelos observacionais do documentário, aqueles em que a câmera fica impassível registrando a vida acontecer numa tentativa de não a influenciar, o dispositivo desse filme é um agente ativo que ora serve para sublinhar a beleza estética do ballroom (especialmente nas cenas de apresentação), ora parece respirar um pouco mais fundo para servir como olhos e ouvidos atentos às histórias de vida. Juru e Vitã escolhem personagens que são bem mais afirmativos do que qualquer coisa, pessoas que encontram nessa celebração física, artística, estética e emocional uma forma de viver em comunhão com seus pares, mas também consigo mesmos. Seguramente a parte mais emocionante do filme é o depoimento da mãe de uma travesti que vai às lágrimas ao falar de suas preocupações e como foi difícil superar o machismo do marido para garantir a segurança de sua filha. Ao olhar para as questões de gênero, raça e orientação sexual, os diretores preservam a alegria, a exuberância e o caráter performático do ballroom, fazendo do documentário uma ode e uma aula. O compartilhamento de conhecimento se dá num processo contagiante feito de cores, sons, movimentos e atitudes.

Filme visto na 11ª Mostra de Cinema de Gostoso em novembro de 2024.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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