Crítica
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Sinopse
Crítica
De Lassie a Marley, passando por Rin-Tin-Tin e Benji, histórias com cães como protagonistas são quase um gênero à parte no cinema norte-americano. Poucos desses exercícios, no entanto, foram tão provocadores e disruptivos quanto Ruim pra Cachorro. Para começo de conversa, importante apontar a inteligente sacada da distribuidora brasileira, que conseguiu propor um batismo de duplo sentido mais intrigante e debochado do que o original (Strays, ou seja, vira-latas): que fique claro, são cachorros à frente dos eventos, mas esses não tem nada de santos ou melancólicos do modo como foram idealizados pelos maniqueístas retratos que por anos (e décadas) o público se habituou a vê-los nas telas. Também não são necessariamente malvados, até porque vistos como seres dimensionais, figuras complexas e repletas de contradições em iguais medidas, assim como suas contrapartes humanas não-ficcionais (os espectadores, portanto). Essa abordagem objetiva é um dos tantos acertos de um conto moral, ainda que dotado da irreverência e insanidade adequada a proporcionar uma necessária renovação a um texto, ao mesmo tempo, familiar e inovador.
Reggie (voz de Will Ferrell) é um cãozinho de rua que, ainda filhote, é adotado por Doug (Will Forte, de Nebraska, 2013, totalmente desprovido de amarras) – ou melhor, pela namorada deste. Quando a garota se dá conta do perdedor com quem está passando seus dias, decide partir levando o pet consigo – mas o agora ex, apenas movido por despeito, não permite a adoção, afirmando gostar do bichinho. Isso, no entanto, é uma grande mentira, pois este é um cara mimado e infantil, que passa cada instante livre entre drogas e masturbação, pensando apenas no momento imediato, sem olhar para mais nada além de si mesmo. Sem emprego, paixão e prestes a ser despejado, decide se livrar de tudo que acredita ser responsável pela situação miserável em que se encontra (afinal, é incapaz de reconhecer os próprios erros), a começar pelo pobre animal de estimação. Assim como tantos humanos fazem na vida real – um ato insensível e cruel – Doug decide abandonar Reggie longe de casa. E assim o faz.
A questão é que Reggie pode ser tudo, mesmo burro. E assim, uma vez deixado para trás, o que faz? Volta para o lar, o único lugar que reconhece como seu, e segue fazendo uma vez após a outra, levando Doug à loucura, por mais que este esteja determinado a não tê-lo mais por perto. Incapaz de ir a um centro de animais abandonados ou mesmo ligar para a antiga companheira que tanto queria o bicho, o homem faz algo ainda pior: viaja horas para garantir que, uma vez largado por conta própria, Reggie não mais consiga regressar. O que não estava nessa matemática era o fato do agora órfão não permanecer sozinho por muito tempo: por mais que alguns perigos se apresentem, outros tipos das ruas, como Bug, um buldogue francês (Jamie Foxx), Maggie, uma collie (Isla Fisher), e Hunter, um dogue alemão (Randall Park), logo estarão ao seu lado, ajudando-o não apenas a lidar com essas adversidades momentâneas, mas também em alcançar o seu atual objetivo de vida.
Ainda que sua estrutura narrativa assuma os mesmos moldes de outros títulos recentes, como A Caminho de Casa (2019) e Juntos Para Sempre (2019) – esse estrelado por Dennis Quaid, que aqui faz uma participação especial como ele mesmo, mostrando um senso de humor que cai bem ao conjunto – Ruim pra Cachorro surpreende por não ter recebido classificação indicativa para acima dos 18 anos (ficou nos 16), visto a quantidade absurda de palavrões, impropérios e alusões (algumas bastante diretas) sexuais que contém em seus 90 minutos de duração. Pra começo de conversa, trata-se, sim, de uma história de jornada, um road movie sem carro, mas com estrada, com o personagem principal (tendo como companhia os três novos amigos) tentando retornar para onde partiu. Mas não mais para o reencontro com o antigo dono – após um discurso bastante esclarecedor, Reggie percebe ter vivido um relacionamento tóxico e que precisa se libertar das amarras que o prendiam – mas, dessa vez, buscando vingança. O que o adorável cachorrinho quer é arrancar fora o pau (sim, o pênis) daquele que deveria dele ter cuidado, mas que terminou por desprezar todo o carinho que este o oferecia. Simples assim.
Josh Greenbaum (Duas Tias Loucas de Férias, 2021) e Dan Perrault (Vândalo Americano, 2017-2018), diretor e roteirista, confirmam uma afinada sintonia na condução dos acontecimentos. Não só por assumirem a tarefa de tornar envolvente um relato por demais simples, dotando cada passo dado com as reviravoltas necessárias para, ao mesmo tempo, tardar o alcance das intenções iniciais e aproximar os personagens do seu objetivo, sem esticar por demais a curiosidade a respeito da decisão seguinte, desdobrando essas tomadas de rumo com elementos suficientes para justificar uma atenção redobrada (a criança perdida na floresta, a prisão, o parque de diversões, os cogumelos alucinógenos). São estes, enfim, episódios menores de um cenário maior e, ainda que previsível, intrigante na medida certa. Nem tanto pelo destino a que se dirigem, mas pela forma como percorrem este trajeto. A linguagem é fator diferencial, mas não o único. Sem se mostrarem gratuitos, os diálogos desprovidos de constrangimentos e empenhados de modo absolutamente naturalista somam como fatores de convencimento, fazendo de Ruim pra Cachorro uma insuspeita aposta certeira. Talvez não adequada para espectadores desavisados, mas servido sem contradições aos de mente aberta e bom humor.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Alysson Oliveira | 1 |
Suzana Uchôa Itiberê | 3 |
MÉDIA | 1.3 |
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