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Sinopse

Jordan inicia a busca por um cineasta desaparecido na Cidade do México. Ele suspeita da faxineira do prédio.

Crítica

O título é tão provocativo quanto o que se vê em cena. Um desavisado poderia confundir rotting com rooting (a troca de apenas uma letra) e, com isso, alternar de apodrecer para algo que poderia ser tanto torcendo como criando raízes. Portanto, ser atraído por algo como Torcendo ao Sol ou Enraizando sob o Sol soa quase lírico, como que augúrio de novos tempos. Nada mais equivocado, porém. Rotting in the Sun é, por sua vez, bastante literal: Apodrecendo sob o Sol, em tradução direta, exatamente o que acontece com um dos principais personagens de um filme esquizofrênico e bipolar, não satisfeito em apenas gerar desconforto, mas obstinado em criar o maior incômodo possível, tanto aos tipos ficcionais que desfila na tela, como também na direção daqueles que ousarem atravessar por esse terreno árido, longe do idílico, ainda que por um lado recompensador no seu intento de ir além do óbvio e proporcionar discussão. A arte, como já disse o sábio, não existe apenas para colocar cada peça no seu devido lugar. No entanto, é importante ter discernimento para reconhecer quando a ousadia se faz necessária ou quando é empregada de modo vazio e sem maiores consequências, um equilíbrio nem sempre alcançado com sucesso por Sebastian Silva.

Diretor do aclamado A Criada (2009) – indicado ao Globo de Ouro e ao Spirit Awards, além de ter sido premiado nos festivais de Sundance, Havana e tantos outros – Silva não mais, ao longo da década seguinte, alcançou o mesmo tipo de impacto em sua carreira. Entre curtas-metragens, séries de televisão, produções nos Estados Unidos e até um podcast, os resultados ficaram invariavelmente entre o curioso e o descartável. Pois bem, com Rotting in the Sun ele se propõe, ao mesmo tempo, a uma volta às origens (não apenas está filmando em espanhol, como também ambienta sua trama em um país latino-americano – o México, no caso) como promove uma interessante interseção entre ficção e realidade ao se colocar como um dos protagonistas, repetindo trejeitos e manias que lhe são notáveis, mas a partir desses tomando rumos, no mínimo, inesperados. Ao sacudir tantos elementos aparentemente desconexos, seria inevitável que toda essa poeira se espalhasse pelo cenário. Em meio a uma visão ainda um tanto turva, chama atenção uma linha narrativa forte, capaz de motivar o mergulho do espectador.

Sebastian Silva (como ele mesmo) está na Cidade do México em uma espécie de retiro artístico, buscando inspirações que permitam um olhar inédito sobre sua arte. Angustiado pela ausência de perspectivas capazes de provocar-lhe algum tipo de reação profunda, será durante uma viagem de fim de semana que acabará cruzando seu caminho com o de Jordan Firstman (também assumindo sua própria identidade), escritor e comediante norte-americano que se tornou popular a partir do seu trabalho como influenciador nas redes sociais. A versão dele mesmo que aqui oferece não chega a ser exatamente aquela conhecida tendo como referência suas participações em séries como Ms. Marvel (2022) ou o filme Certas Pessoas (2023), mas uma mais exagerada, insegura e extrema, que vê nesse contato que a ele se apresentou quase ao acaso uma oportunidade de autopromoção, além de outras interações não muito profissionais, mas não por isso menos pertinentes. Ainda que as verdadeiras naturezas dos interesses de um no outro – e vice-e-versa – sejam declarados, estarão nos desdobramentos desse relacionamento muito alardeado, mas nunca concretizado, o ponto de virada da história.

O fato é que Rotting in the Sun é um filme com Lado A e Lado B, quase como nos antigos vinis que há algum tempo voltaram à moda. Se na metade inicial o ritmo é de caos e descontrole, aproximando-se perigosamente de uma falta de rumo somente sanada por uma constante atualização de objetivos, assim que um episódio catártico se faz presente de forma irrevogável, tudo passa a se resumir às consequências dessas ações e o crescer da confusão tal qual uma bola de neve ladeira abaixo, algo que poderia ter sido resolvido em uma ou duas frases de efeito, mas que aqui vai aumentando em proporção até atingir níveis entre o absurdo e o improvável. Se o sexo, as drogas e a nudez do começo pareciam ali terem sido dispostos na medida exata para gerar ruído, do instante em que essa virada se manifesta estará na ausência de atitude de um personagem a responsabilidade pela mudança de rumo. É quando Catalina Saavedro – protagonista do citado A Criada, mais uma vez atuando sob o comando do cineasta que a teria revelado ao mundo, novamente na condição de serviçal, gerando um eco desnecessário, ainda que fácil de ser perdoado – passa a ocupar o centro das ações, respondendo por posturas e questionamentos que irão exigir o seu melhor. Algo que nem sempre se compreende, ainda que seja passível de identificação.

O certo é que em Rotting in the Sun há muito a ser deixado de lado, ruindo e se deteriorando sem recuperação, a ponto da antipatia gerada por muitos dos seus personagens talvez ser apenas mais um dos problemas pelos quais a audiência determinada a atravessar por esse pesadelo terá que lidar. Mas há de se colocar na balança, também, que esta muito provavelmente era a intenção do realizador, um entendimento que, se por um aspecto nasce já no batismo, por outro percorre caminhos mais tortuosos, que vão do descarte de uma de suas figuras centrais ao melhor estilo de Psicose (1960) à aflição de ter que lidar com uma revelação ao alcance de todos, permanentemente tangenciada, ainda que por repetidas vezes evitada, tal qual se dá em Festim Diabólico (1948). E a citação de dois dos maiores clássicos de Alfred Hitchcock não parece ser coincidência. Sebastian Silva sabe bem o que quer, mesmo que nem sempre pareça ter claro como alcançar seu intento. Ao escolher como comparação uma sombra difícil de ser superada, não deixa de ter mérito esse esforço de mirar nas alturas. Uma verdade que não o impede, de uma forma ou de outra, de se colar sob o escrutínio dos demais, na leitura dramática, na percepção do público ou, em última instância, do sol abrasador que assim como dá vida, também a destrói sem possibilidade de retorno.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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