Crítica


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Sinopse

Pressionado por sua família a se casar o mais rápido possível, um fotógrafo de Mumbai convence uma estranha a fingir ser sua esposa durante algum tempo. Apesar da relutância, ela aceita a proposta e os dois desenvolvem um laço totalmente inesperado que os muda de maneiras até então inimagináveis.

Crítica

O cinema do indiano Ritesh Batra opera numa chave completamente oposta às tradições fílmicas de seu país – ao menos as que dialogam com a parcela mais comercial da mesma. A Bollywood dos épicos de gênero – especialmente, os musicais – marcados pelo frenesi visual, excesso nas atuações e efeitos visuais, está muito distante daquilo a que o cineasta se propõe: uma espécie de choque pela via da delicadeza e da dilatação do tempo narrativo, que se apresenta desde o seu longa de estreia, The Lunchbox (2013), e se repete neste Retrato do Amor. Mais uma vez, Batra constrói um romance agridoce iniciado pelas vias do acaso. Em The Lunchbox, o erro de um serviço de entrega de comida de Mumbai termina por conectar uma dona de casa e um funcionário público às voltas com a aposentadoria. Aqui, o objeto de conexão – um quase MacGuffin – que move a trama, promovendo conexão similar, é uma imagem: o retrato do título.

Os protagonistas ligados pelo elemento são Miloni (Sanya Malhotra), jovem e introvertida estudante que se deixa fotografar em frente a um monumento histórico, partindo antes que o fotógrafo pudesse lhe entregar o resultado, e Rafi (Nawazuddin Siddiqui), o autor do retrato. É nesse desencontro, aparentemente banal, que se baseia a premissa inusitada do roteiro de Batra. Pois Rafi, homem que já ultrapassou a casa dos 40 anos de idade, permanece solteiro, sendo pressionado por todos, em particular por sua avó, que ainda vive no distante e humilde vilarejo natal da família. Preocupado apenas em trabalhar para enviar suas economias à idosa, que o criou como uma mãe, Rafi leva uma existência solitária, sem, de fato, se importar com a ideia de procurar uma esposa. Contudo, uma atitude da avó faz com que ele decida mergulhar na fantasia, escrevendo uma carta enviada junto com a foto de Miloni, na qual afirma que a garota é sua noiva.

Que o nome (Noorie) escolhido por Rafi para sua amada fictícia seja retirado da canção-tema de um filme local é algo simbólico, revelando a noção de amor romântico idealizado com a qual Batra trabalha. Um aspecto reiterado pelo cunho metalinguístico do singelo desfecho aberto, que desafia, nas malhas da leveza, as convenções desse mesmo romance clássico. Apostando mais uma vez no minimalismo de diálogos e situações, ocultando ambos em diversos momentos cuja exposição poderia servir à elevação da carga dramática e à criação de conflitos – caso da própria proposta de Rafi para que Miloni aceite conhecer a avó e se passar por sua companheira, que Batra omite, indo direto à resposta da estudante. Tudo isso registrado sempre no mesmo tom intimista, o que ao mesmo tempo se mostra uma façanha e um risco (calculado).

Tal ameaça à abordagem do diretor é amenizada pelo excelente trabalho do elenco, tendo a dupla central como destaque. Na pele de Miloni/Noorie, Malhotra carrega todos os conflitos internos nos silêncios, olhares e gestos diminutos – seus pés descalços, sempre enquadrados pela câmera, exprimem muitos sentimentos – de uma personagem marcada por certa subversão. Na Índia moderna retratada por Batra, em que as tradições patriarcais, como os casamentos arranjados, ainda se impõem, mas com certa brandura, Miloni não representa a típica jovem rebelde que se poderia imaginar. Ainda que recuse o pretendente, que vive nos EUA, escolhido pela família – filho do sócio de seu pai – a estudante, primeira da classe e vislumbrando um futuro brilhante, demonstra fascínio pela realidade bucólica da vida nas vilas sem eletricidade, como a de sua empregada, onde pode descansar à sombra das árvores após um dia de trabalho. A possibilidade de fuga para essa realidade termina como sendo fator crucial para a afeição gradativa que passa a nutrir por Rafi.

Da mesma forma, o fotógrafo encontra na aproximação a chance de fugir da inércia, emotiva e sociocultural, a última gerada pela hierarquia de castas indiana. Em Retrato do Amor, Batra estabelece as dinâmicas pessoais e sociais com a mesma leveza, o que, por vezes, esbarra na sensação de apatia, deixando personagens secundários passionais, como a avó, mais caricaturais (ainda que carismáticos). Entretanto, mesmo que o desenrolar monocórdio possa gerar algum distanciamento, a narrativa se deixa acompanhar de maneira agradável, inserindo também, e naturalmente, o elemento fantástico – o amigo suicida – além de tratar das falhas humanas de seus protagonistas – como a resposta ríspida de Rafi ao taxista. Se a fórmula de Batra já apresenta desgaste, o domínio consciente da mesma ainda gera o encantamento poético, que permeia a observação delicada das relações amorosas.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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