Crítica


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Sinopse

Crítica

Ao optar por uma inversão na linearidade narrativa, apresentando o clímax de Raiva, um rompante de violência e morte, em sua sequência inicial – para depois recuar no tempo, acompanhando o encadeamento de fatos que levaram a tal desfecho – o diretor luso-brasileiro Sérgio Tréfaut trata o trágico destino de seus personagens como algo irreversível. Uma consequência lógica, e basicamente inevitável, das condições impostas pela estrutura social dominante na região do Alentejo, sul de Portugal, na década de 1950, cenário de luta de classes entre os camponeses oprimidos e os ricos latifundiários que detêm o poder. É neste contexto que encontramos Palma (Hugo Bentes) – protagonista da trama adaptada do clássico romance Seara de Vento, de Manuel da Fonseca – um trabalhador rural que após pedir aumento ao patrão, Elias Sobral (Diogo Dória), não só é despedido como ainda perde as terras de onde tirava o sustento complementar de sua família.

Há um ano sem conseguir emprego, e sendo perseguido por seu comportamento contestador – por “falar demais”, como afirmam outros personagens – Palma, num ato de desespero para conseguir levar comida à mesa de casa, se envolve num esquema de contrabando, atividade que o coloca novamente na mira do ex-patrão. Abdicando conscientemente da construção de expectativa e do fator surpresa, graças à escolha inicial da quebra de ordem cronológica da narrativa, Tréfaut se dedica a investigar as motivações e os sentimentos dessas figuras asfixiadas por uma atmosfera de luto constante – dois funerais pontuam a história e quase todos, especialmente as mulheres, vestem preto. O registro lúgubre da fotografia em preto e branco, bem como a rigidez da composição simétrica de planos, reforça essa sensação, evocando a estética dos trabalhos do húngaro Béla Tarr, em particular O Cavalo de Turim (2011) – co-dirigido por Ágnes Hranitzky – devido à sua ambientação bucólica.

Entretanto, enquanto Tarr se vale de tais elementos visuais para trabalhar a dilatação do tempo, através dos longos planos-sequência, de modo a extrair todo o potencial lírico das imagens, Tréfaut, embora imprima um ritmo lento à progressão dos enxutos 80 minutos de projeção, e não se furte aos flertes com o poético – como nos fragmentos que captam a vida selvagem e a ordenação natural da cadeia alimentar (o falcão que destrincha o coelho capturado, a aranha que envolve a mosca em sua teia) que podem ser lidos como uma analogia ao poder dilacerante exercido pela classe dominante sobre os camponeses – se mostra mais interessado nos significados objetivos transmitidos pela imagem, num retrato mais áspero da realidade que cerca sua crítica social. Algo que o aproxima do neorrealismo – assim como a própria obra de Manuel da Fonseca era enquadrada em tal vertente – ainda que fuja um pouco do tom naturalista dos mestres italianos, aderindo a certa teatralidade, tanto no campo das atuações quanto na encenação de modo geral.

Nesse retrato de uma terra onde os pobres nascem e morrem pobres, e os ricos nascem e morrem ricos, Palma personifica o homem fadado à tragédia, vítima das injustiças, seguindo a sina do pai – que se enforcou pela vergonha de não poder pagar suas dívidas. Ainda que as figuras antagonistas centrais sejam masculinas, as mulheres têm papel representativo no longa de Tréfaut, sintetizando três gerações distintas. Num extremo temos a sogra de Palma (Isabel Ruth), embrutecida pelo passar dos anos e ainda presa a costumes arcaicos. No outro, a filha do protagonista, Mariana (Rita Cabaço), jovem ativa, engajada na causa dos trabalhadores, buscando algum modo alterar o estado das coisas. Por fim, no centro, está a esposa, Júlia (Leonor Silveira), paralisada entre a sensação de impotência e a aceitação de sua sorte, essa carregada de certa culpa cristã – Tréfaut a enquadra mais de uma vez ajoelhada, ao lado do crucifixo solitário na parede da humilde cabana – e que envolve ainda o “fardo” de criar um filho autista.

Embora essas figuras tenham potencial para um desenvolvimento dramático robusto, Raiva peca por explorar apenas a superfície dos arquétipos que simbolizam – o mesmo valendo para o latifundiário ganancioso ou o chefe de polícia corrupto. Por mais que os atores carreguem em seus semblantes os sentimentos adequados – o sofrimento de Júlia no olhar de Silveira, ou toda a indignação acumulada na expressão taciturna de Bentes como Palma – seus personagens são reduzidos a representações monocórdicas dentro de um relato cuja crueza excessiva acaba levando a um distanciamento emocional. Talvez a intenção de Tréfaut fosse mesmo expor a gradativa perda de humanidade gerada pela situação de extrema opressão socioeconômica, onde a violência e a vingança se apresentam como o último instrumento possível de justiça social. Porém, sem essa humanidade, seus personagens perdem em força empática, soam menos reais, terminando diluídos dentro de uma embalagem fria, ainda que de inegável beleza visual.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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CríticoNota
Leonardo Ribeiro
6
Robledo Milani
5
MÉDIA
5.5

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