Crítica


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Sinopse

O jogo de xadrez muda a vida de uma jovem que mora na região rural de Uganda. Com apoio da família e da comunidade local, ela corre atrás do sonho de ser uma campeã internacional.

Crítica

Filmes que adaptam histórias reais sempre estão sujeitos ao risco de esbarrarem na idealização demasiada dos fatos, uma probabilidade que aumenta consideravelmente quando a adaptação em questão é realizada pelos Estúdios Disney, caso deste Rainha de Katwe. A trama do longa acompanha a trajetória da jovem ugandense Phiona Mutesi (Madina Nalwanga), garota órfã de pai que vive em uma região muito pobre do país africano, trabalhando diariamente ao lado da mãe, Nakku Harriet (Lupita Nyong’o) e dos irmãos para manter a existência precária da família. Em meio a esse duro cotidiano, porém, surge a possibilidade de um recomeço através do xadrez, esporte ensinado pelo professor Robert Katende (David Oyelowo) às crianças da comunidade, e para o qual Phiona demonstra um talento nato, levando-a a disputar campeonatos e ao sonho de se tornar mestre enxadrista.

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Como deixa clara a premissa, estamos diante de um clássico conto de superação que exibe do início ao fim as marcas típicas de uma produção Disney, com sua proposta bem intencionada de transmitir uma mensagem edificante por meio de uma narrativa extremamente familiar. Habituada a trabalhar o universo de desigualdades sociais e de exotismo cultural desde o sucesso de sua estreia com Salaam Bombay! (1988), a cineasta indiana Mira Nair explora os elementos estéticos, como as cores vivas dos tecidos das roupas, buscando ressaltar que, mesmo lutando contra todos os tipos de adversidades, ainda há espaço para a alegria na vida de seus personagens. Sua abordagem, no entanto, nunca foge das limitações impostas pela fórmula do subgênero, lidando com as questões da miséria, da violência e dos conflitos políticos de modo abrandado e superficial.

O roteiro é costurado por platitudes e metáforas apresentadas de modo excessivamente explícito, diluindo toda a carga alegórica. A principal delas é a utilização do tabuleiro de xadrez como um espelho da vida difícil de Phiona, e do povo de Uganda, onde os obstáculos – a fome, a falta de dinheiro etc. – devem ser derrubados para se alcançar o objetivo maior. Um conceito que, assim como todos os outros, é explicado repetidas vezes pelas figuras em cena, não deixando ao público nenhum espaço para interpretações próprias. Essa literalidade se torna ainda mais incômoda quando é externada pelo elenco infantil do longa. Em determinada cena, por exemplo, uma garota de no máximo 10 anos conclui de forma categórica que gosta do xadrez pelo fato de que “no jogo, o pequeno pode se tornar grande (o peão virar rainha)”.

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Momentos como o citado acima são abundantes em Rainha de Katwe, passando uma sensação de artificialidade no discurso que prejudica até mesmo a espontaneidade dos atores-mirins. A direção de Nair segue a mesma linha do texto, pesando a mão no sentimentalismo ao preencher a escalada de êxito esportivo de Phiona com dramas particulares – o conflito entre a mãe e a irmã mais velha, o acidente do irmão, a enchente, o despejo. A emoção que deveria surgir com naturalidade dos fatos parece forçada, especialmente pela inserção de sequências pouco críveis, como quando duas meninas aparecem no centro de treinamento pedindo que a protagonista jogue “por elas” em um torneio de nome quase impronunciável, tentando impor a ideia de o xadrez ter se transformado em uma modalidade popular, simbolizando a última esperança de uma nação.

Esse tratamento se estende à construção estereotipada das figuras coadjuvantes – do diretor da escola à proprietária da casa onde vive a família de Phiona – dividindo todas entre “bons” e “maus”, algo que fica ainda mais evidente na insistente, e desnecessária, tentativa de gerar antipatia em relação às adversárias da protagonista, seja a canadense arrogante, a concorrente de Uganda na final ou o aluno da escola rica que limpa a mão após cumprimentar Phiona. Tal gesto, que Nair faz questão de evidenciar, exemplifica a falta de sutileza na condução do longa, que adere aos clichês mais desgastados, como a aparentemente inevitável sequência de créditos finais com a presença dos reais biografados e a apresentação de cartelas descrevendo o que ocorreu com cada um após os eventos retratados.

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Mesmo sufocado por tantas convenções e inconstâncias, o comprometimento do talentoso elenco principal é notável. Lupita Nyong’o encarna com intensidade o papel de mulher firme e obstinada, disposta a qualquer sacrifício pelo bem-estar dos filhos, enquanto o ótimo David Oyelowo transmite toda a empatia e afetuosidade do professor capaz de abdicar de suas próprias ambições em função das de seus alunos. A surpresa fica por conta da novata Madina Nalwanga, que encara seus companheiros de cena com segurança, carregando em seu olhar e feições a crueza e a melancolia que fazem parte da existência de Phiona, mostrando muita desenvoltura na evolução da personagem. É uma pena, portanto, que suas atuações fiquem presas em uma embalagem formulaica para ser palatável ao grande público. Ao invés de deixar a força de uma história verdadeiramente inspiradora falar por si, Mira Nair e os produtores da Disney optam por levá-la ao mundo pelas vias das facilidades redutoras mais questionáveis da cartilha do estúdio.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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CríticoNota
Leonardo Ribeiro
5
Diego Benevides
6
MÉDIA
5.5

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