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Sinopse

Kena e Ziki são grandes amigas e, embora suas famílias sejam rivais políticas, as duas continuaram juntas ao longo dos anos, apoiando uma a outra na batalha pela conquistas de seus sonhos. A relação de amizade transforma-se em um romance que passa a afetar a rotina da comunidade conservadora em que vivem. As jovens terão que escolher entre experienciar o amor que partilham, ou se distanciar em função de uma vida segura.

Crítica

A dupla de jovens protagonistas femininas, os olhares trocados na rua, a aproximação oscilante, a descoberta da sexualidade e até mesmo os cabelos coloridos de uma das garotas. Todos esses elementos, presentes já nos primeiros minutos de Rafiki, trazem à memória, sem muito esforço, o drama francês Azul é a Cor Mais Quente (2013). Contudo, apesar dos pontos em comum das premissas, enquanto o longa do diretor Abdellatif Kechiche apresenta um mergulho visceral e minucioso na construção do relacionamento, e no impacto do mesmo nas vidas das personagens centrais, esse segundo trabalho da cineasta queniana Wanuri Kahiu caminha numa direção totalmente oposta, exibindo uma leveza que flerta com o pueril. Além disso, é bastante distinto o contexto sociocultural no qual a trama de Rafiki se insere, carregando todo o peso das tradições e, especialmente, da religião local, fator reiterado pelas sequências no culto, pelos discursos do pastor e atitudes dos moradores de Nairóbi.

É em um bairro da capital queniana que vivem Kena (Samantha Mugatsia) e Ziki (Sheila Munyiva), a primeira já apresentada por Kahiu como aquela mais envolvida pelo ambiente majoritariamente masculino – andando apenas com amigos homens, jogando futebol e cartas no bar – enquanto a segunda parece distante desse universo, vivendo uma realidade que se imagina como o “padrão feminino” – dançando com as amigas, preocupada com roupas e penteados. Vem de Ziki, porém, a iniciativa de aproximação entre as duas, o que em pouco tempo leva à amizade e ao romance. A partir da conexão quase imediata, o desenrolar da relação se dá de modo previsível, gerando conflitos que já se anunciavam desde o princípio como inevitáveis, incluindo o político, já que os pais das garotas são candidatos rivais na disputa pelo cargo de vereador.

Tudo transcorre sem surpresas, dentro de uma atmosfera de inocência inabalável. Uma abordagem que serve à visão romântica de Kahiu sobre o primeiro amor e que exala a pureza e sinceridade desejadas. Todavia, o excesso de singeleza acaba por tirar boa parte da força dramática da narrativa, mesmo quando as situações retratadas apontam para alguma gravidade, algo que se deve também à encenação igualmente ingênua da cineasta. A impressão deixada pela sequência inicial de créditos, de montagem pop/videoclíptica sincronizada ao ritmo da trilha sonora para captar o espírito das ruas – com as cores vivas presentes na arquitetura, nas roupas etc.- logo se dissipa, dando lugar a um registro trivial, que exibe apenas alguns lampejos de personalidade, como na cena em que Kena e Ziki pintam seus rostos com tinta fluorescente ou no delicado plano final.

O aspecto vibrante conferido às imagens pela exploração das cores, porém, poucas vezes se reflete nas dinâmicas pessoais. Se isso ocorre, o motivo definitivamente não está relacionado ao trabalho das atrizes. Estreantes, Mugatsia e Munyiva deixam transparecer uma notável química que surge com naturalidade, muito mais por meio da expressão física – olhares, gestos, contato – do que das palavras. Ambas acabam, em boa parte do tempo, tendo de lutar contra a literalidade e falta de fluidez dos diálogos, que deixam truncados alguns momentos de intimidade. Mesmo com todas as fragilidades citadas, enquanto se atém à interação da dupla, Kahiu garante o envolvimento emocional da história. Já quando se volta à relação destas com os personagens que as orbitam, o resultado é bem menos positivo – os conflitos de Kena com os pais, ou da mãe da jovem com o ex-marido, já casado com outra mulher e prestes a ser pai novamente, são tratados de forma bem superficial.

Há no trabalho de Kahiu uma inegável vontade de expor temas relevantes e as peculiaridades de seu país, por meio de uma jornada de resistência e libertação feminina, com personagens que desafiam o status patriarcal – Ziki deseja viajar pelo mundo, mostrando o que é ser uma verdadeira mulher queniana, enquanto Kena pretende se tornar uma médica, enfrentando o meio dominado pelos homens e fugindo do mero papel de esposa imposto às mulheres pela sociedade. As intenções louváveis de Rafiki ficam claras ao longo de toda a projeção, assim como a entrega de suas atrizes. Contudo, elas acabam esbarrando em certa falta de ambição e de destreza para garantir peso ao discurso. Pois, por mais que este se prove suficientemente forte dentro do cenário local – a exibição do filme foi proibida no Quênia – em um âmbito mais amplo, acaba não indo além de um produto simpático e inofensivo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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