Crítica
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Sinopse
Crítica
A cineasta Juliana Vicente utiliza uma breve sinalização sobre territorialidade para iniciar esse documentário biográfico dos Racionais MC’s, expoente do rap brasileiro. Tanto que no começo do filme os integrantes Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay falam de suas origens em partes distintas da enorme região periférica da cidade de São Paulo. Dois deles eram da zona sul, dois da zona norte. No presente, os quatro conversam em torno de um mapa, de vez em quando rabiscando nele seus itinerários da adolescência e, adiante, ampliando o traço quando o assunto se torna a realização de shows no exterior. Especialmente dentro de um filme em que a palavra “pertencimento” é praticamente onipresente, no mínimo implícita nas manifestações sobre a importância das raízes ao sucesso na música de denúncia das mazelas periféricas, poderíamos esperar mais dessa conexão entre o artista e o seu ambiente. Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo é competente e funcional dos pontos de vista esclarecedor e motivacional, mas deixa a desejar quanto à costura dos assuntos que perpassam a obra do Racionais MC’s. Aliás, Juliana (também responsável pelo roteiro) opta por uma estrutura bem tradicional que atrela o documentário de cunho biográfico ao viés informativo, no qual a imagem funciona como ilustração das falas poderosas de homens que assumiram o protagonismo das próprias histórias.
Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo é um filme adequado dentro dessa proposta de revelar quatro trajetórias exemplares. Combinando habilmente imagens de arquivo, recortes jornalísticos, depoimentos dos protagonistas e de seus amigos/familiares, o filme funciona como um resumo da carreira dos Racionais MC’s. Percorrendo esse legado cronologicamente, Juliana resgata as histórias da adolescência, pontua os episódios que marcaram encontros definidores, submete os personagens a reflexões atuais sobre acontecimentos do passado e delega aos protagonistas a missão de se revelarem intimamente. Ela é feliz nisso de valorizar as palavras de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, ao sublinhar a personalidade e o estilo de cada um deles, ao pulverizar o discurso sobre a banda e sua influência no cenário cultural brasileiro. Dessa forma, evita que os holofotes se concentrem desproporcionalmente em Mano Brown, o mais conhecido dos integrantes do Racionais MC’s. Ice Blue, Edi Rock e KL Jay ganham espaços proporcionais para discorrer sobre sonhos, motivações, percepções e leituras particulares do que representam enquanto time para a cena do rap brasileiro. As entrevistas se dão em cenários simples, principalmente contra um fundo infinito negro que evita distrações. Importantes são as pessoas, as suas histórias e ponderações retrospectivas. Trata-se de uma aclamação afetuosa.
Juliana não está preocupada com eventuais tensões internas. Por isso não vemos em Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo qualquer menção a problemas de relacionamento, a dificuldades de comunicação, a desentendimentos previsíveis numa jornada com mais de 30 anos. Enquanto filme-homenagem, ele permanece focado na observação dos Racionais MC’s como exemplo de voz asfixiada pela estrutura racista da sociedade que, de uma hora para outra, rompe as grossas camadas de impedimento e chega aos ouvidos de outros tantos que se sentem igual ou semelhantemente oprimidos. Talvez seja exatamente por encarar a banda como inspiração que a cineasta evite trazer à tona ruídos que poderiam desviar a atenção da mensagem, do legado deixado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. Mas, do ponto de vista da amplitude da abordagem, evitar um mergulho mais investigativo nas relações internas dos membros desse verdadeiro estandarte do rap brasileiro faz com que o documentário se torne limitado a um viés. Restrito a elogiar, a resgatar momentos icônicos, a pontuar relevâncias e impeditivos, a fazer dos Racionais MC’s um símbolo de arte negra reprimida pela polícia que oprimiu seus jovens integrantes antes da fama. Não é pouca coisa, sem dúvida. Então, como resgate, o filme é ótimo, diversificado, mesmo pecando por assumir uma postura conservadora.
De um lado, temos a competência para capturar e interligar as histórias contadas por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. Quatro meninos negros, periféricos, que se tornaram as vozes de uma geração inconformada com a manutenção de certos protocolos discriminatórios. De outro, o apego excessivo a essa estrutura documental informativa que não prevê tensões mais significativas entre imagens, sons e depoimentos. Mais um ponto fraco de Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo: a falta de aberturas significativas à importância de figuras apenas citadas ou que, no máximo, recebem breves segundos para dar depoimentos complementares. Dentro da mencionada perspectiva do pertencimento, as mães dos integrantes, as esposas, o restante dos amigos que não viveram da música, isso tudo fica elipsado pela construção de uma narrativa de enaltecimento. É o efeito-colateral de uma escolha fundamental de roteiro, a de pautar pelo empoderamento dos quatro rapazes que deixaram para trás a falta de perspectivas e lutaram contra um conjunto de agentes que sistematicamente os perseguiu. Ainda que careça de algo que o distraia dessa linguagem documental clássica, que não faz jus formalmente à iconoclastia dos Racionais Mc’s, o filme é bem-sucedido na missão de registrar à posteridade uma história de superação pela arte, evitando romantizar demais os êxitos de várias das lutas.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Francisco Carbone | 8 |
MÉDIA | 7 |
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