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Sinopse

Magnata que fez fortuna no ramo da imprensa, o enigmático Charles Foster Kane morre após pronunciar a palavra "rosebud". Intrigado com o significado dela, um jornalista começa a investigar o passado do influente sujeito.

Crítica

Tanto já se falou sobre Cidadão Kane nestes mais de 70 anos desde o seu lançamento que qualquer nova tentativa de resenhá-lo de forma crítica inevitavelmente incorrerá em alguma redundância, independente do ponto de vista assumido. O que é certo é que o longa de estreia de Orson Welles é um marco da história do cinema mundial, teve uma trajetória problemática até chegar nas telas, a recepção inicial foi fria e sua consagração só veio com o passar dos anos, que de forma mais do que justa lhe concedeu o mérito de melhor filme de todos os tempos – ao menos segundo o American Film Institute, em resultado de 1998 e repetido em 2007. Agora, de modo distanciado e menos afetado possível, cabe o questionamento: seria merecido tal veredito?

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O curioso é perceber que Cidadão Kane é um filme muito mais respeitado do que amado. É difícil se apaixonar e se envolver emocionalmente com a história de ascensão e queda do milionário Charles Foster Kane (interpretado pelo próprio Welles, que além de atuar e dirigir também escreveu o roteiro – ao lado de Herman J. Mankiewicz – e ficou responsável pela produção). Magnata da mídia, dono de jornais espalhados de leste a oeste dos Estados Unidos, sempre controlou o que o público devia ou não pensar a respeito de cada assunto, dando os passos iniciais daquela imprensa que ficaria conhecida como “marrom”, ou seja, manipulada e nada imparcial. Mas o mistério de Kane surge depois, no momento de sua morte, quando, num último suspiro, deixa escapar a palavra “Rosebud”. O que ela significa, qual sua intenção e que importância teria a ponto de servir como epitáfio?

O enigma, ainda que interessante, não é de todo aleatório. Afinal, é ele que motiva o desenrolar da história. Sua morte é por onde começamos, e a investigação por trás da origem da palavra final é o fio condutor pelo qual o longa se sustenta. Rosebud, como iremos descobrir depois, é o nome do trenó que o pequeno Charles brincava quando criança. O que teria ele – ou aquela etapa de sua vida – de tão importante para persegui-lo até o fim? O que um homem como ele, dono de um palácio como Xanadu – “49 mil acres de nada além de paisagens e estátuas” – poderia querer que ainda não tivesse conquistado? De vida atribulada, tanto íntima – foi casado duas vezes, e ambas ocasiões resultaram em relacionamentos infelizes – quanto profissional – abandonou uma instigante carreira política em nome de um orgulho pessoal – tem sua trajetória revirada por completo. Nada, no entanto, parece ter lhe marcado mais do que o momento em que foi enviado pelos próprios pais a uma instituição, instante em que sua infância lhe foi roubada e nada mais lhe restou. O amor ali se perdeu, e pelo resto de sua existência ocupou-se de recuperá-lo, sem nunca ter tido sucesso nessa missão, a despeito de tudo que conquistou.

Os méritos revolucionários que Cidadão Kane apresenta são tantos que até mesmo enumerá-los parece ser uma tarefa nada simples. A metalinguagem assumida pelo realizador é seu guia – a primeira frase proferida pelo personagem afirma “não acredite em tudo que você ouve no rádio”, uma referência imediata ao episódio de 1938, quando Welles narrou o clássico Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, em uma transmissão radiofônica com tamanha verossimilhança que acabou gerando pânico em metade do país, que acreditou se tratar de um fato real – até no que diz respeito às críticas veladas à Willian Randolph Hearst, um poderoso empresário da época. A proximidade com a vida real era tamanha que por muito pouco o filme nem chegou a ser lançado, com exibidores ameaçando boicote contra a sua exibição. O desprezo culminou na noite no Oscar, quando, das nove indicações recebidas – inclusive a Melhor Filme, Direção e Ator, todas para Welles – ganhou apenas a de Roteiro Original.

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Do desenvolvimento do conceito inédito de “foco profundo” ao lado do diretor de fotografia Gregg Toland – em que mais de um objeto, em diferentes planos, possui nitidez simultânea – às parcerias com nomes que se tornariam referências no futuro, como o editor Robert Wise (vencedor de 4 Oscars por clássicos como A Noviça Rebelde, 1965, e Amor, Estranho Amor, 1961) ou o compositor Bernard Herrmann (responsável pelas marcantes trilhas de Psicose, 1960, e de Taxi Driver, 1976, entre tantas outras), Cidadão Kane é uma obra imortal. Talvez a maquiagem carregada que alguns personagens tentam defender – como o protagonista, por exemplo – não tenha envelhecido bem, assim como os poucos recursos tecnológicos – cenários pintados e truques de câmera para disfarçar limitações físicas – possam soar anacrônicos hoje em dia, mas sua força é tamanha que é impossível permanecer indiferente. Um verdadeiro clássico, ontem, hoje e sempre.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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