Sinopse
Manuel é um jovem contador preso em Barcelona nos anos 1970 em virtude de uma acusação de desvio de dinheiro. Com a ajuda de um companheiro de cela, ele se torna líder de um movimento que muda o sistema carcerário.
Crítica
Manuel (Miguel Herrán) é preso depois de se tornar bode expiatório de uma jogada fraudulenta. O verdadeiro culpado é o herdeiro da empresa onde trabalha como contador. Então, ele é vítima de alguém que está economicamente alguns degraus acima na pirâmide social. Essa situação está no contexto turbulento quase imediato à morte do general Francisco Franco, líder de uma das ditaduras mais cruéis do século 20. A Espanha estava em processo de mudança, começando a respirar novamente os ares límpidos da democracia e deixando a atmosfera carregada dos anos de chumbo para trás. No entanto, a experiência desse recém-encarcerado demonstra que as alterações nos panoramas políticos demoram mais do que o aceitável para acontecer. Prisão 77 quase não tem cenas fora das penitenciárias pelas quais o protagonista passa durante seus anos de martírio. E isso tem um porquê. Se nas ruas havia euforia por conta da queda de um regime fascista/autoritário, dentro das cadeias o poder militar ainda era praticamente ilimitado. Carcereiros brutos de uniforme, superiores fardados e diretores mantidos do antigo governo funcionam como ecos do franquismo, a persistência de uma mentalidade que deveria ter sido erradicada, mas que, infelizmente, não desaparece de uma hora para outra. Manuel vê seus caminhos sendo fechados, suas saídas diminuídas e benesses da democracia não o alcançando.
O percurso pessoal de Manuel é de transformação em Prisão 77. Ao entrar na cadeia, ele é um jovem relativamente idealista, até um pouco ingênuo, vide a confiança cega na legalidade e a esperança de poder ver os seus algozes eventualmente sendo punidos. Ao ser roubado por apenados, tenta denunciar o crime (e é ridicularizado pelos milicos). Ao ser espancado por carcereiros, solicita papel e caneta para escrever uma reclamação (e apanha ainda mais). Pouco a pouco esse depósito quase automático de confiança nos trâmites legais vai enfraquecendo e Manuel percebe que tem de dançar conforme a música e, ao menos, compreender como funcionam as lógicas de poder dentro da cadeia ainda regida pelos torpes ideais franquistas. O diretor Alberto Rodríguez equilibra bem o filme entre a construção de uma tomada de consciência e o discurso político que motiva o levante dos presos. Seu protagonista começa o filme atordoado pela realidade que provavelmente estava distante de seu cotidiano e acaba como um dos líderes do movimento que veementemente exige anistia às condenações por parâmetros fascistas. Sim, pois a trama baseada em fatos mostra a reivindicação de homens condenados por coisas consideradas criminosas, mas estritamente dentro de um código moral excludente. Vide o companheiro médico de Manuel, preso simplesmente por ser homossexual.
Um dos principais acentos do longa-metragem é a brutalidade do Estado. O realizador recorre em vários momentos a cenas de espancamento e abusos psicológicos, assim expressando ao espectador a noção persistente de continuidade da truculência. Encarcerados têm seus corpos selvagemente agredidos por homens de farda que, então, continuam exercendo impunemente uma autoridade perversa. Concomitantemente, vemos Manuel aprendendo a se mover pelas frestas desse mundo completamente diferente das ruas e amadurecendo enquanto ser humano, sobretudo ao tomar posições diante da arbitrariedade e aprender o valor da luta coletiva. Prisão 77 não confere ao espectador qualquer acesso à personalidade pregressa de Manuel. Como era o seu comportamento fora da cadeia? Pensando na conjuntura política, de que lado ele estava antes de se tornar vítima desse franquismo tardio e insistente? O roteiro assinado pelo diretor em parceria com o colega Rafael Cobos não entra nesses méritos, assim preterindo qualquer possibilidade de choque entre o antes e o agora. Com isso, concentra todos os seus esforços na educação sentimental/política que Manuel encontra de maneira inesperada atrás das grades. A direção de arte assinada por Pepe Domínguez del Olmo e Gigia Pellegrini torna tudo convincente e o desenho sonoro é fundamental para dar densidade/volume à dimensão violenta da trama.
Alberto Rodríguez é bem-sucedido ao se ater a vários aspectos dessa situação radiografada em Prisão 77. Em meio à observação da manutenção das práticas fascistas contra uma população socialmente invisível (a carcerária), ele ainda toca em assuntos como os presos colaboradores, os dedo-duro, o funcionamento capitalista da penitenciária (sempre tendo em vista a retenção de poder por aqueles que melhor souberem vender/comprar) e ainda descreve brevemente as dificuldades legais dos sujeitos de viés progressista. Falando um pouco do protagonista, Miguel Herrán se sai muito bem ao conceber Manuel como alguém em mutação, mas sempre evitando os excessos de idealização nesse processo. O protagonista poderia ser facilmente descrito pelo filme como um ignorante que gradativamente assume a postura heroica de salvador da pátria. Porém, permanece fiel ao ideal de construir esse turbulento processo de transição entre o franquismo e a democracia sem personalizações excessivas. Então, claro que boa parte da força do longa vem desse crescimento emocional do personagem principal, especialmente como ele passa a enxergar a importância de se envolver para mudar uma dura realidade. No entanto, o realizador não perde o entorno de vista, dando espaços generosos para ótimos coadjuvantes (como os vividos por Javier Gutiérrez e Jesús Carroza) e mantendo seu foco no discurso político.
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Filmes de presídio é um tema que eu gosto. Não é fácil viver preso, pior ainda nas condições turbulentas que a obra mostra. Bom filme.