Crítica


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Sinopse

Perto de um local de escavação, fica uma área desértica, habitada por uma gangue de jovens. Toxou é o mais velho e líder do grupo, enquanto Jimmy, ainda menino, fez de Victor seu modelo.

Crítica

A primeira cena de Pompei (2019) traz algumas das imagens mais belas que vimos em todo o 70º Festival de Berlim. Um jovem anda numa motocicleta ao por do sol, carregando um garotinho na garupa. Uma mão está no guidão, enquanto a outra protege o acompanhante atrás dele. A câmera se permite oscilar ora a favor do motorista, ora do passageiro. A textura meio suja, ainda que sem granulação, impede uma aparência de assepsia, reforçando o caráter orgânico desta estrada de terra à beira do nada. Na cena seguinte, o jovem adulto Victor (Aliocha Schneider) e o pequeno Jimmy (Auguste Wilhelm) dormem, cada um em sua cama, em tal posição do corpo e uso de luz que não fariam feio perto de quadros renascentistas. A porta de entrada ao filme se dá por meio da estética rebuscadíssima, fruto da experiência com design e fotografia still dos diretores Anna Falguères e John Shank. Não há uma única imagem de aparência desleixada ou apressada, ou destituída de um cuidado particular de iluminação.

A beleza impressionante desperta receio quanto à relação com o tema que se encarrega de representar. Ela se justificaria diante da situação precária dos protagonistas? Estaríamos diante da busca da imagem pela imagem, ou seja, a beleza como objetivo final, se sobrepondo ao humanismo do roteiro? As dezenas de cenas situadas ao por do sol ou nascer do sol podem indicar este caso: os personagens, com seus cabelos cacheados soltos ao vento, estão sempre coroados por uma luz lateral e dourada, enquanto as roupas desleixadas – em paletas de cores muito bem pensadas – poderiam sair do catálogo de alguma loja de departamentos para clientes hipsters. Ora, felizmente, aos poucos a surpresa da direção de fotografia se atenua diante do crescimento dos personagens dentro da trama. Trata-se de jovens abandonados pela sociedade, vivendo à margem dos adultos (praticamente ausentes da trama), sem qualquer forma de apego ou estabilidade. A noção de família proposta pelo filme se encontra na reunião de pequenos marginais liderados por Victor e Toxou (Vincent Rottiers). Apesar do comportamento amoral na vida cotidiana, eles demonstram afeto verdadeiro uns pelos outros.

Em paralelo, a quantidade de encontros ao fim da tarde se justifica pela tentativa de aproximar Pompei do romantismo dos faroestes. A trilha sonora composta pelos Dear Criminals atualiza os típicos temas do western, enquanto a intervenção inesperada de Billie (Garance Marillier), garota que se apaixona por Victor e desestabiliza a harmonia do grupo, sugere a necessidade de um duelo para acertar as contas. O filme efetua uma costura interessante entre gêneros: por morarem à beira de uma estrada, e se deslocarem com frequência através de motocicletas, nos situamos no universo do road movie, apesar de nenhum personagem realmente partir ou fugir para onde quer que seja. Eles se deslocam de um lado para o outro, apenas para retornarem ao mesmo casebre onde sempre viveram – em outra palavra, este seria um road movie da imobilidade. A dificuldade de saírem da cidadezinha implica na necessidade de uma forte ruptura dentro da narrativa para que os conflitos se resolvam. Tudo prepara o espectador para um clímax explosivo.

Enquanto confronta seus adultos às dificuldades do amor, o roteiro prepara o jovem Jimmy para a entrada na adolescência. Visto que estamos num mundo sem delicadezas nem qualquer forma de educação formal, o garoto impúbere se educa de maneira empírica: ele fuma junto dos amigos, fala sobre a vontade de pegar umas “minas para comer” e assiste aos mais velhos transando com garotas da região por meio de buracos na parede – mas o show custa dinheiro das crianças que quiserem vê-lo, é claro. O aprendizado ocorre através do ato de olhar e reproduzir, sem qualquer filtro para separar as atividades tipicamente adultas daquelas apropriadas ao universo infantil. Por isso, a noção de ludicidade de Jimmy se dá nas escavações da terra seca ao lado de Victor (quando ele acredita encontrar um verdadeiro tesouro diante de algumas moedas sem valor) ou quando forja maturidade diante dos outros garotos. A noção de fatos escondidos e revelados torna-se muito bem representada pelos objetos desenterrados no sítio de escavação.

Talvez Pompei perca um pouco de sua força quando se concentra demais no romance entre Victor e Billie, deixando os demais personagens de lado. Neste instante, a montagem propõe várias elipses do casal, sem de fato evoluir o relacionamento entre eles nem propor novas formas de conflito. No entanto, o roteiro logo volta a reunir seus quatro personagens principais novamente, até a bela cena final. Com este filme, Falguères e Shank demonstram notável capacidade de construir clima, trabalhando bem os cenários, figurinos, a trilha sonora e o ritmo. Eles transmitem tanto a solidão e miséria dos personagens quanto a empolgação de ser criança e não possuir, a princípio, qualquer forma de limitação à sua frente – pelo menos, para um garotinho sem pais, sem escola, sem vida em sociedade. Eles não podem nada, e por isso mesmo, têm a impressão de não deverem nada a ninguém. Os excessos imaginários da vida precária serão testados com uma arma na mão. Como se poderia esperar de um faroeste, a sobrevivência entre os brutos passa pela eliminação do adversário e afirmação de sua própria masculinidade.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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