Crítica


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Sinopse

Em 2016, um golpe político de Direita derruba a primeira mulher eleita presidente no Brasil. Nesse contexto político distópico, Marcela usa o serviço de teletransporte de seu celular para deixar o país, mas seu plano é controle.

Crítica

No início, esta comédia parece se articular em torno de um mote cômico único: a ideia de teletransporte oferecida pelos planos de celular, que permitem às pessoas viajar por cidades e países diferentes pelo preço de uma recarga comum. O conceito é bem explorado pelo roteiro em tom de realismo fantástico: a diretora Juliana Antunes brinca com os destinos errados (o bairro popular de Nova York, em Belo Horizonte, ao invés da cidade norte-americana), a falta de créditos, as dificuldades de se comunicar com o setor de atendimento etc. Por si só, a premissa poderia render uma singela comédia do absurdo, baseada na dificuldade de comunicação e nas deficiências do nosso sistema de telecomunicação, algo com que qualquer espectador poderia se identificar.

No entanto, Plano Controle vai muito além. Entre idas e vindas graças ao teletransporte, a protagonista Marcela viaja também pelo tempo e pelos costumes brasileiros, atravessando tanto momentos marcantes da nossa política (o golpe contra Dilma Rousseff, a eleição de Lula para presidente) quanto instantes icônicos da cultura televisiva (as novelas mexicanas, os programas de auditório sensacionalistas e machistas). Neste processo, ela retoma episódios transformados em memes e motivos de chacota pela cultura da Internet para relê-los dentro de um contexto histórico, com o devido distanciamento – algo que a sempre veloz e anti-histórica cultura pop não permitiria. Existe um valor particular em assistir, em pleno 2019, à cena de Jean-Claude Van Damme tentando esconder sua ereção após rebolar nos palcos com Gretchen.

Enquanto forma de contraste, o filme elege dois protagonistas fora dos padrões conservadores: uma garota andrógina e um homem efeminado, de tempos diferentes (anos 1990 e anos 2010), porém unidos pela constatação de que “nenhuma época faz sentido”. A marginalidade de gerações distintas se une através do recurso poético da viagem do tempo, e do aspecto inconsequente que atravessa todo o projeto: Marcela não se preocupa em voltar aos dias de hoje, ela apenas viaja tranquilamente para onde o teletransporte a leva. Ao invés de se desesperar, toma uma cachaça com o novo amigo, abandonando o digital de alta qualidade da filmagem contemporânea para adentrar os códigos do VHS antigo. A narrativa viaja pela política, pela configuração dos corpos e pelo cinema de várias décadas, em sucintos quinze minutos.

Deste modo, a narrativa possui a capacidade rara de se tornar acessível tanto ao público amplo quanto à crítica. Quem desejar enxergar nesta aventura apenas um mar de citações à cultura trash nacional, se divertirá com as referências. Quem analisar estes fragmentos enquanto olhar tragicômico à cultura nacional encontrará formas muito mais amargas – e mais políticas – de reler o machismo da televisão e da política, assim como a necessidade de espetáculo em todas as formas de imagem, sejam elas destinadas ao entretenimento ou à informação. Ao fim, transmite a noção de que toda política constitui uma construção de imagem, e neste sentido, aproxima toda forma de cinema de um discurso politizado, seja ele explícito ou não, partidário ou não. Quando viajamos juntos de Marcela, somos convidados a nos confrontar com os absurdos, ao limite do inacreditável, que povoaram nossa cultura de massa e nossa política, sempre tão bem interconectados.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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