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Sinopse

Pixote é um menino de dez anos que é detido durante uma ronda policial nas ruas de São Paulo, e levado para um reformatório de menores. Lá, presencia degradação e violência contra os internos. Após dois garotos serem assassinados com envolvimento de guardas do local, Pixote e mais dois meninos fogem. Nas ruas, precisam encontrar meios de sobreviver, nem que para isso tenham que se envolver com o crime, passando a fazer parte de um círculo onde a violência gera mais violência.

Crítica

Há este menino, ele é o que se chama de delinquente. Um dos muitos assaltantes que rotineiramente espetam canivetes em senhorinhas de idade na saída de bancos, nas paradas de ônibus à noite e em ruazinhas desertas. Ele se aproveita da impunidade do sistema aos delitos cometidos por menores de idade, assim como os verdadeiros criminosos que o coagem abusam dele. O nome desse menino é tanto Pixote, o personagem, quanto Fernando Ramos da Silva, ator que o interpreta. Trazido de uma favela por Hector Babenco para atuar em Pixote: A Lei do Mais Fraco, o intérprete mirim acaba sendo a maior prova da relevância do projeto que protagoniza.

Fernando jamais conseguiu se firmar como ator depois de estrelar Pixote: A Lei do Mais Fraco, e acabou morto por policiais após retornar à vida da qual a produção o havia tirado. É irônico pensar que o filme tenha sacado o garoto de sua realidade para, mais tarde, depositá-lo de volta nela. O longa, como obra de ficção, nos extrai de nossa realidade e nos leva àquela do menino: preso em um reformatório junto com outros tantos garotos. Na sua primeira noite lá, o pequeno Pixote testemunha um estupro, seguido de casos de espancamentos e assassinatos, quase todos obra dos oficiais responsáveis pelas crianças que, assim, resolvem fugir.

De certa forma, o lugar representa uma realidade em miniatura da ditadura militar brasileira, e o roteiro poderia também ser um prequel eficiente de O Beijo da Mulher Aranha (1985) - filme que Babenco dirigiu mais tarde e pelo qual foi indicado ao Oscar – até por tocar em temas queridos ao diretor, como o conjunto formado pelo cárcere, a homossexualidade e o regime militar, que viria a figurar, quase integralmente, também em Carandiru (2003). E, embora o último não seja tão eficiente quanto os outros, os três poderiam formar uma espécie de trilogia da denúncia de abuso. O próprio cineasta abre aqui a exibição explicando o contexto do projeto e porque usou no elenco crianças inseridas nele.

Os conflitos de Pixote: A Lei do Mais Fraco já revoltariam qualquer um se fossem protagonizados por adultos. Esse sentimento é multiplicado, pois aqui são encenados por crianças. É uma triste representação da marginalização do nosso então regime totalitário, opressor de boa parte da população. Esmiuçar o enredo e os pequenos embates entre os personagens é irrelevante (leve isso como elogio, não como demérito). Veja bem, a do garotinho interpretado por Fernando Ramos da Silva, é apenas uma entre as milhares de situações vividas por essas crianças. Como apontado antes, poderia ter sido – e foi – a história do próprio Fernando. É isso que Babenco busca atingir. Se os meninos são enganados por uma traficante, se vão parar sob os cuidados de uma prostituta, ou se Dito realmente se apaixona por Lilica, pouco importa, pois isso apenas faz a trama se mover através do verdadeiro quadro pintado pelo cineasta, que representa a dura e triste realidade de um sistema falho e corrupto, que esmaga as pequenas e indefesas criaturas empurradas às beiradas.

Claro, Pixote sendo amamentado num seio que o rejeitou a priori é uma imagem forte que, para todos os fins, representa a própria pátria amada e idolatrada exaltada pelos unilaterais agentes do sistema na época, que desmamou uma criança a quem deveria acolher e de quem deveria cuidar, deixando-a, como o nosso protagonista, sozinho para seguir os trilhos do trem em direção a um futuro não pouco previsível. Visitar o filme de Babenco nesses dias em que vemos grupos de pessoas pedindo a volta da ditadura é um lembrete da realidade sombria para a qual ainda podemos voltar, e de como ainda há gente disposta a desperdiçar, abusar e deixar a própria sorte toda uma geração.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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