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Sinopse

Em meio aos conflitos envolvendo o pai e a mãe, a jovem Alice é enviada a outra cidade para morar com o tio. Neste lugar, descobre um antigo parque de diversões ligado à família. O passeio por este espaço leva Alice a descobrir segredos sobre o futuro que lhe aguarda.

Crítica

Passagem Secreta (2021) demora para definir que tipo de filme pretender ser. O belo design da abertura faz referência direta aos clássicos de terror dos anos 1980, sugerindo uma construção em neon. No entanto, nas primeiras cenas, Alice (Luiza Quinteiro) se encontra dentro de uma casa obscura, em meio a um conflito de abuso doméstico. A longa apresentação da personagem (incluindo a despedida do lar, o reencontro com o tio, a parada à beira da estrada) se assemelha ao drama de personagens em molde clássico. Em paralelo, três crianças pequenas brincam, pulam na cama, fazem piada, arquitetam pequenas traquinagens na escola envolvendo os funcionários. Esta dinâmica completamente distinta se assemelha aos programas da televisão – não são poucas as semelhanças com o trio de Detetives do Prédio Azul. Sequências como a pretensa briga no corredor são herdeiras do humor pastelão. O que teria Alice a ver com este universo? A tal passagem secreta do título, assim como a noção de aventura associada à mesma, se introduz apenas na segunda metade. No meio do caminho, existe uma pensão, um refeitório e outros espaços estranhamente aproveitados.

Compreende-se que o diretor Rodrigo Grota e a roteirista Roberta Takamatsu queiram fazer referência a diversas obras que povoavam a infância da geração que cresceu junto a A História Sem Fim (1984), Os Goonies (1985), Labirinto: A Magia do Tempo (1986) e outros. No entanto, a costura desses conflitos está desequilibrada em tons e proporções. A multiplicação de focos impede os criadores de se aprofundarem em cada um deles: o importante dilema com a mãe é mal explicado, e abordado de modo abrupto; o quiproquó envolvendo jovens mais velhos na escola e uma gravação trocada jamais possui real importância na trama; a noção de que Alice seria “a escolhida” para uma jornada mágica aparece tarde demais. Que jornada do herói começa a dois terços da narrativa? Há dois ou três filmes diferentes convivendo de maneira pouco homogênea no interior de uma obra de duração modesta. Qualquer um destes caminhos seria interessante por si próprio – a comédia de colégio, o drama da vida adulta pelo olhar das crianças, a jornada mágica com vilões e mundos secretos -, no entanto a junção transparece as dificuldades de montagem e roteiro.

Além disso, Passagem Secreta sofre com problemas de produção – curiosamente, afetando as cenas de aparência mais simples, ao invés da parte mágica. A entrada da casa-pousada demonstra a dificuldade da direção de fotografia em iluminar e enquadrar este hall apertado (um foco alaranjado na cara de Fernando Alves Pinto tampouco ajuda no resultado). A conversa no banheiro talvez pudesse ser realocada para outro espaço onde a câmera tivesse liberdade de movimento (o plano aéreo dos três amigos soa desconfortável). Em paralelo, a mixagem trabalha com um desnível impressionante de qualidades e volumes. A interação entre trilha sonora, diálogos e ruídos produz trechos de som altíssimo, ao lado dos sussurros incompreensíveis da mãe de Alice. Há deficiências de maquiagem, limitações de produção de arte e outros elementos que tornam o resultado aquém de suas ambições. Sobretudo, os diálogos soam estranhos ao registro oral, com diversas crianças e jovens conjugando verbos na primeira pessoa do plural em frases como “Falamos com o diretor e ele foi bem receptivo quanto a continuarmos”. Quando Sofia pergunta aos amigos se conhecem um livro, eles respondem: “Não, nem imaginamos”. Que criança verossímil se comunica assim?

Talvez a maior parte do esforço e do orçamento tenha se destinado ao segmento da passagem secreta, o melhor de todo o filme. Este espaço escondido, com escotilhas, portas anguladas e diferentes cores apresenta o primeiro elemento verdadeiramente lúdico e original de uma obra que se contentava com menções a terceiros. Não se espanta que o material promocional (o ótimo teaser de 30 segundos) se concentre exclusivamente nesta parte, capaz de valorizar o empenho da equipe e sugerir um verdadeiro senso de aventura para além da perseguição banal dos adolescentes no parque. A sequência de cortes rápidos, luzes em movimento e flashes intermitentes serve para convergir o tom sombrio do horror, o senso de aventura e a imaginação infantil. Caso Grota conseguisse levar tamanha ousadia à parte anterior, e postergá-la à conclusão, teria obtido uma obra mais potente enquanto construção estética. Ora, os clássicos oitentistas que reverenciamos hoje foram inovadores em suas épocas em termos de iluminação, figurinos e estrutura narrativa. Cabe ao século XXI criar uma forma de renovação, ao invés de se contentar com a onda nostálgica que tem impregnado séries de televisão e outros formatos (muitos deles concebidos por artistas nascidos nesta época). Precisamos construir os Goonies e Labirintos dos nossos tempos, ao invés de apenas nos lembrar destes ótimos filmes que permanecem presos ao discurso de suas épocas.

Por fim, o filme serve para apresentar Luiza Quinteiro, jovem atriz de forte potencial no tratamento dos diálogos, e sem vaidades em frente às câmeras. Sofia Cornwell também se destaca, ainda que pertença ao núcleo televisivo, dirigido de maneira mais afetada. Aos atores adultos, resta a diversão de se encaixar no estereótipo da fabulação infantil: Fernando Alves Pinto cria a voz e as risadas malvadas de um vilão cartunesco, e Arrigo Barnabé abraça com gosto a figura do cientista maluco. É uma pena que as mulheres adultas não sejam convidadas à diversão, ficando restritas às funções de mães zelosas, dramáticas e vitimadas. Passagem Secreta resulta num filme repleto de vontades, de imagens e de referências queridas. Percebe-se o afeto do diretor por cada cena, cada espaço realista ou fabular. No entanto, é necessário encontrar uma coesão dentro deste conjunto. Além disso, o cinema infantojuvenil precisa de dissociar do tom aprazível e conformista: o crescimento constitui um ato de violência, e os melhores filmes infantis são aqueles capazes de representar a complexa psique das crianças, ao invés de torná-las meros personagens de uma fantasia adulta.

Filme visto online na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2021

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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