Crítica


8

Leitores


2 votos 8

Onde Assistir

Sinopse

O policial Steve Burns foi destacado para investigar uma série de assassinatos de homossexuais em Nova York. Com a intenção de crescer dentro da corporação, aceita o desafio de se passar por gay, sabendo que terá que frequentar a comunidade e mergulhar nos clubes de sadomasoquismo. Só não sabia que a sua caçada ao maníaco poderia ser longa e que ninguém sai normal de uma experiência tão brutal como esta.

Crítica

No final do anos 1970, Al Pacino talvez fosse apontado como o maior astro de Hollywood, protagonista de dois clássicos instantâneos – os primeiros episódios da trilogia O Poderoso Chefão, ambos premiados com o Oscar de Melhor Filme – e estrela de sucessos como Um Dia de Cão (1975) e Justiça para Todos (1979). O diretor William Friedkin, por outro lado, tinha recém ganho o Oscar por Operação França (1971) e recebido outra indicação pelo arrebatador O Exorcista (1973), até hoje um dos maiores sucessos de bilheteria do gênero. Portanto, é de se questionar o que os teria motivado a adaptar para a tela grande o livro de Gerald Walker, Parceiros da Noite. A obra, polêmica até a medula, tem como personagem principal um investigador policial que, sob disfarce, se embrenha pelas entranhas do submundo gay de Nova York atrás de um serial killer que tem como costume fazer vítimas entre os homossexuais da cidade.

Cruising, título original da obra, pode ser traduzido como flertando, o ato de sair à noite em bares e boates em busca de companheiros sexuais. Parceiros da Noite, no entanto, vai além disso. O foco aqui não está apenas na tensão erótica – que existe, e de forma exacerbada, seja pela temática ou pelo visual – mas também no perigo e na constante ameaça de violência. No começo do filme, Steve Burns (Pacino), é feliz no relacionamento com a bela Nancy (Karen Allen, de Os Caçadores da Arca Perdida, 1981) e também no trabalho, a ponto de ser convocado pelo Capitão Edelson (Paul Sorvino), seu superior imediato, para ser o homem à frente dessa sigilosa investigação. A missão é abandonar a própria identidade e passar a viver como um adepto da subcultura sadomasoquista gay, mudando de casa, profissão, figurinos e trejeitos. Ele precisa convencer como tal, a ponto de atrair o assassino, fazendo-o com que se revele e, assim, possa ser preso.

No entanto, é curioso perceber o limitado empenho da força policial para que o caso seja solucionado – e, assim, os gays masculinos, o grupo em potencial perigo, fiquem novamente em segurança, elemento que eles próprios dão a impressão de não levarem muito em consideração. Afinal, estamos falando de homens que apreciam atos violentos em combinação com o sexo e o amor, seja através de cordas, faixas, muito couro e nudez. E Friedkin – que já havia investigado a temática homossexual antes, no comovente Os Rapazes da Banda (1970) – não se amedronta diante às práticas mais assustadoras referentes ao tema. Tudo é explorado com tamanho afinco que muito do filme precisou ser editado para poder ganhar às telas. Essa material desconsiderado, no entanto, ganhou um olhar próprio mais de trinta anos depois em Interior. Leather Bar. (2013), filme co-dirigido e estrelado por James Franco.

Com o desenrolar da trama, no entanto, é perceptível como a vida e a moral do protagonista vai se deteriorando, quase como um reflexo do universo em que se encontra inserido. Friedkin pode ser acusado de moralista por esse retrato, mas a questão é mais íntima e profunda. O que está sendo dito é que não basta colocar uma regata preta e uma badana no cabelo para simplesmente se transformar em outra pessoa. O preço a ser pago é maior, e Burns está descobrindo isso aos poucos. Assim como todos ao seu redor. Seus novos amigos sabem o perigo que correm diariamente, entendem que precisam se cuidar, mas quem consegue convencê-los a agir de forma diferente? Por outro lado, há ainda a questão de por que é preciso ser penalizado por viver da maneira como se quer? A liberdade de escolha, aqui, também se revela cara demais aos olhos daqueles não envolvidos diretamente. Neste ponto, Parceiros da Noite é premonitório ao advento da AIDS, que registraria seus primeiros caso apenas no ano seguinte ao lançamento do filme, 1981.

Se o suspense em revelação à identidade do criminoso não é tão forte quanto o esperado, e seu confronto com o policial chega a ser até frustrante, Parceiros da Noite possui muitas outras qualidades que justificam sua relevância ter persistido até hoje, tantos anos depois. Controvérsias à parte, temos aqui o retrato de um ator em busca de desafios e de um cineasta à frente do seu tempo, que segue provocando até hoje, como bem mostra o recente Killer Joe (2011), também de sua autoria. Dentro desta ótica, o fato de ter recebido três indicações às Framboesas de Ouro – inclusive à Pior Filme e Pior Direção – só conta a seu favor, pois deixa em evidência o quão estavam despreparados na época para absorver a abrangência deste discurso. E se levarmos em conta que ao seu lado concorreram nomes como Stanley Kubrick e Brian De Palma, confirma-se o quão em boa companhia Friedkin estava na ocasião.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *