Crítica


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Sinopse

Refugiados sírios num campo de expatriados no Líbano. Suas rotinas, a espera de que as coisas possam melhorar e os horrores da guerra condicionado seus cotidianos.

Crítica

Em Pão Amargo, o olhar do cineasta Abbas Fahdel à situação de extrema pobreza dos refugiados sírios no Vale do Beca, no Líbano, é bem mais desalentado do que necessariamente contundente. O realizador não orienta essa denúncia sóbria por autoelogios ao próprio posicionamento empático diante de uma crise humanitária. Sua câmera se demora para perceber o cotidiano de famílias inteiras deslocadas por conta da guerra que assola a Síria. Homens, mulheres e, principalmente, crianças são assim analisados dentro de uma rotina enfadonha, imposta pela falta de empregos, a preocupação recorrente com as intempéries climáticas que podem colocar abaixo as tendas e, de quebra, por uma reduzida capacidade de manter tradições diante de um cenário tão excepcionalmente desesperador. A questão política é pontuada bastante circunstancialmente nesse documentário proposto a observar os dias passando sem que surjam heróis ou alguma solução se apresentando no horizonte. O filme reproduz a lógica arrastada para aludir a como funciona a vida por ali.

De modo oblíquo, há apontamentos quanto à ordem política. O principal expoente dessa visão que pouco recorre à frontalidade, então permanecendo como um comentário subjacente, é Maher Mahmoud, o "Shawish", espécie de tutor dos moradores do acampamento. O nativo é encarregado de coordenar noções práticas e fazer uma ponte entre os empregadores locais e os estrangeiros logo mal remunerados. Por exemplo, o realizador faz questão de explicar por meio dos letreiros que esse sujeito chega a ficar com U$S 2 de cada US$ 6 que um trabalhador sírio ganha diariamente na lida pesada no campo. O assistencialismo desse mesmo homem, antes vestido de Papei Noel, portanto, é tido como uma insuficiente manifestação de solidariedade. Há um preço a se pagar a ele (ao Líbano?) para as coisas continuarem andando minimamente por aquelas bandas. Em Pão Amargo a perspectiva terna é resguardada às crianças. Não à toa, apenas elas interagem diretamente com a câmera, celebrando inocente e entusiasmadamente o desejo de serem retratadas.

Diante dos adultos, Abbas Fahdel faz-se invisível, misturando-se nas conversas sobre banalidades, nos lamentos pela falta de melhores condições e nas recorrentes demonstrações de saudade da Síria, apesar dos vários pesares devidamente mencionados. Há uma ordem territorial que poderia ser melhor trabalhada no plano simbólico, mas que, mesmo carente de um investimento maior, provê frutos valiosos ao documentário. O principal dos acampamentos estudados no filme fica entre um córrego transformado em esgoto a céu aberto e as imponentes montanhas no Vale do Beca. Portanto, os exilados estão espremidos, sem tanta margem para movimentar-se. O fato do terreno ficar ao largo da rodovia dinâmica/perigosa também aponta a essa tentativa parcialmente bem-sucedida de compreender o terreno como indício de uma disposição periférica que pouco contribui à necessária integração dos sírios no país vizinho que lhes acolheu. Volta e meia o estreito curso d´água, lamacento e repleto de dejetos, é encarado como se fosse capaz de condensar aquela miséria.

Pão Amargo reduz a natureza informativa ao mínimo necessário para termos entendimento das circunstâncias e dos contextos implicados, a fim de que percebamos os papeis desempenhados por cada um e, eventualmente, os infortúnios particulares (o casamento interditado) referindo-se a algo maior. Tanto que Abbas Fahdel prescinde de um narrador, complementando o que a imagem nos apresenta somente com letreiros esporádicos. O que pretensamente lhe importa é fazer uma crônica desafetada do dia a dia dos refugiados constantemente comprimidos entre as demandas imediatas – conseguir emprego, torcer para que a chuva e a neve não coloquem suas tendas a perder – e a esperança de voltar para um país sabidamente ainda muito devastado por bombardeios, tiroteios e todas as demais formas de barbárie humana perpetradas dentro de uma lógica beligerante. Em vários momentos o filme perde oportunidades valiosas para expandir pontuações dramaticamente fortes, ao custo de permanecer fiel à lógica modesta e refutar a espetacularização da dor alheia. Um painel cru e reiterativo da realidade dos desterritorializados sem opções para mitigar sofrimentos.

Filme visto online no 25º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em setembro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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