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Sinopse

Xolani, um operário solitário do Cabo Oriental, na África do Sul, se ausenta do trabalho e viaja para as montanhas rurais com os homens de sua comunidade. O intuito é ajudar nos rituais de Xhosa, que consiste na circuncisão de um grupo de adolescentes para que eles ingressem finalmente na vida adulta. Porém, quando um iniciante descobre seu segredo mais bem guardado, um amor proibido, toda a existência do homem começa a ser revelada.

Crítica

Estreando no comando de longas-metragens, o cineasta sul-africano John Trengove realiza com Os Iniciados uma espécie de face oposta da moeda de Eles Só Usam Black-Tie (2015), outro trabalho recente centrado no universo da juventude do país africano e produzido pelo próprio Trengove. A oposição entre as obras passa pelo campo formal, com a estética naturalista deste novo exemplar se distanciando bastante da estilização – a fotografia em preto e branco, o flerte com a metalinguagem e com traços pop – do anterior, mas se concentra, especialmente, nas realidades por eles retratadas. Aqui, o ambiente urbano e o foco no círculo das classes mais abastadas de Joanesburgo dão lugar ao interior profundo, arcaico, das montanhas ainda envoltas por tradições milenares, como os ritos de passagem da etnia Xhosa.

É para esse cenário místico que todo ano Xolani, vulgo “X” (Nakhane Touré), se dirige, deixando temporariamente seu emprego como operário em uma fábrica para exercer a função de cuidador dos “iniciados”, jovens que passam pelo ritual Xhosa de iniciação à masculinidade. Conhecido por sempre acabar responsável pelos rapazes mais frágeis, Xolani é designado, e pago, para cuidar especificamente de Kwanda (Niza Jay), garoto de origem rica, vindo de Joanesburgo, que, nas palavras do pai, é sensível demais – por ter sido mimado pela mãe – e precisa aprender a ser um homem de verdade. O convívio com Kwanda, a princípio introvertido, mas que gradativamente revela uma personalidade rebelde e impulsiva, fará com que os conflitos particulares de Xolani aflorem com elevada intensidade.

Trengove apresenta uma introdução aos costumes dessa iniciação – onde os garotos são afastados da civilização por duas semanas, convivendo em um ambiente totalmente masculino, dormindo em cabanas, usando vestes tradicionais e pinturas corporais, realizando tarefas como cortar lenha, além de tratarem das feridas de uma forma de circuncisão realizada no primeiro dia – porém, a investigação desses detalhes ritualísticos não é central ao longa. São as implicações mais abrangentes, as contradições e contrastes, culturais e pessoais, que guiam a narrativa de Trengove, especialmente, a questão da sexualidade. Pois não apenas Kwanda sofre com a hostilidade dos outros iniciados por suspeitarem que ele seja gay, como também Xolani possui seus próprios fantasmas por manter um caso com outro cuidador, Vija (Bongile Mantsai), desde a juventude.

Os dois personagens ostentam suas máscaras protetoras: Vija mantém as aparências de uma vida “normal”, casado e com filhos, uma figura forte e imponente, antagônica à fragilidade de Xolani, que se esconde em sua existência solitária e encontra no período dos rituais uma válvula de escape, a forma de libertar seu desejo reprimido, mesmo cercado por uma atmosfera claramente opressora. Paralelo à relação com Vija, Xolani ainda divide uma jornada de amadurecimento com Kwanda, na qual os papéis iniciais se invertem, com o cuidador, que deveria representar a autoridade, sendo confrontado de modo incisivo pelo pupilo. Os questionamentos provocativos de Kwanda, somados ao desequilíbrio no relacionamento com Vija – a entrega emocional não é plenamente correspondida pelo amante, ainda que indícios de um sentimento também genuíno da parte do mesmo sejam notados – levam Xolani a cometer atos extremos.

A construção da crescente tensão, assim como a carga emocional, é bem sustentada por Trengove, que demonstra um olhar atento à valorização de gestos, atitudes e silêncios – de fato, quando opta por verbalizar conflitos, muitas vezes, o longa acaba sendo demasiadamente expositivo – mantendo a câmera sempre próxima aos rostos e corpos dos atores, todos desenvoltos em seus papéis, que preenchem as paisagens naturais compondo belos planos. A trilha sonora pontual e minimalista de João Orecchia completa essa qualidade orgânica, crua, estendida ao modo como Trengove registra inicialmente os encontros sexuais de Xolani e Vija: diretos, quase brutais, evoluindo para um tom mais afetuoso conforme tentam se desprender de suas máscaras.

Outras questões inerentes à história sul-africana também são expostas, como as de ordem social – que dificultam ainda mais a interação de Kwanda com os iniciados de classes humildes – e também racial – vide a sequência do encontro com os fazendeiros brancos bloqueando o caminho para uma cachoeira, e o consequente roubo da cabra. Contando com esses elementos, Trengove faz das montanhas de Os Iniciados um reflexo da realidade integral de seu país, marcada pelo embate da necessidade de preservar raízes, não deixando que sejam completamente dizimadas, com a de se adequar aos novos tempos. Xolani declara que a montanha é tudo o que ele tem, e por isso, mesmo que represente aquilo que lhe impede de aceitar a si próprio, ele deve protegê-la. Um local onde segredos permanecem soterrados pelos códigos patriarcais, e de onde nenhum desses homens consegue escapar. Seja de modo literal, fisicamente, ou simbólico, presos por memórias embebidas de alegrias, dor e culpa.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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