Os Dias com Ele
Crítica
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Sinopse
Maria Clara mergulha no passado quase desconhecido de seu pai, Carlos Henrique Escobar. As descobertas e frustrações de acessar a memória de um homem e de um período da história brasileira cheio de lacunas. Ele, um intelectual preso e torturado durante a ditadura militar, não fala sobre isso desde aquele tempo.
Crítica
Uma filha em busca do pai. Um homem querendo se desligar do passado. Um país arrependido. Um velho continente abraçando o novo. Muitos erros que ficaram para trás e não consertam o futuro, mas ajudam, ao menos, a moldá-lo. Estes são os elementos dispostos durante o desenrolar de Os Dias com Ele, documentário de estreia da diretora Maria Clara Escobar. Este nome, aliás, consta nos créditos de dois trabalhos de fôlego do atual cinema brasileiro – Histórias que Só Existem Quando Lembradas (2011), de Julia Murat, do qual é co-roteirista, e O Que Se Move (2013), de Caetano Gotardo, que participou como diretora de elenco. Escobar, no entanto, decidiu levar às telas um olhar mais íntimo e pessoal, deixando de lado essas experiências ficcionais e partindo para um registro documental, tendo como ponto de partida o próprio pai, Carlos Henrique Escobar.
Julia Murat e Juliana Rojas – outra representante de peso de um novo cinema nacional, mais autoral e introspectivo, co-diretora de Trabalhar Cansa, 2011) – assinam a montagem de Os Dias com Ele. Estes três profissionais – Murat, Rojas e Gotardo – são influências perceptíveis no trabalho de Maria Clara, ainda que ela tenha optado por um outro gênero narrativo. A câmera praticamente não se move. A leveza – ou humor – ainda que ocasional, é sempre tangencial, vem de fora, nunca está no centro do quadro. A urgência é uma constante, principalmente pela temeridade de um fim à origem do relato. O tempo, portanto, fala alto e cobra seu preço – seja na efemeridade dos protagonistas, na qualidade do relato, na deficiência auditiva. Conta-se o se lembra. Revela-se o que se deseja. Mostra-se muito mais do que o esperado.
Carlos Henrique Escobar é, hoje em dia, quase um ermitão. Sente-se bem sozinho, não gosta da companhia dos outros, os livros lhe bastam. Vive bem consigo próprio. Mas isso é uma falácia que aos poucos é desmentida. Há uma companheira, além de um filho adolescente. Sinal de que ele, já de idade avançada, segue acreditando – em um relacionamento? No amor? Na vida? As opções são muitas. Morando numa pequena cidade no interior de Portugal, acreditava-se esquecido por todos. Mas não o suficiente. Foi lembrado pela filha adulta – Maria Clara – aquela que afirma ser a única de quem ainda sente falta. E lá vai ela, apenas com uma câmera debaixo do braço, ouvir o que o pai tem a dizer. E é daqueles que não esperamos nada de onde surgem as maiores revelações.
O tanto do não-dito por Carlos Henrique encanta não somente Maria Clara, aqui tanto filha quanto diretora, mas também seus espectadores. De criança órfã a guardião de dois irmãos, de morador de rua a militante sindical, de aprendiz a combatente da ditadura, de preso a torturado, de intelectual a recluso. Uma vida de histórias, que talvez não encontrassem mais espaço no Século XXI, não fosse esforços individuais que lhe oferecessem alguma luz. Aquilo que muitos querem esquecer, aqui se faz presente com singular impacto. Os Dias com Ele não é um filme fácil. É necessário.
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