Crítica
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Crítica
O olhar está em Robert Tassen (Gaspard Ulliel, em performance hipnotizante). Melhor dizendo, é o peso de toda uma vida que se abate sobre suas costas. Ele mira, resignado, para a frente. Nada se move, porém tudo se passou. Não é mais o homem que um dia foi, sua própria existência está transformada, e nada daquilo que já acreditou e serviu como guia até aquele instante parece, agora, fazer mais sentido. Nada importa, apenas uma coisa: a vingança. É ela que o domina, que o faz levantar pela manhã e termina por levá-lo para a cama à noite. Em Os Confins do Mundo, ele é peça e engrenagem, motivo e realização de um conflito muito maior, mas encerrado no interior de uma só pessoa. Não mais do que isso. E será nesse mergulho que a obra encontrará não apenas o seu fim, mas, acima de tudo, seu inevitável começo.
Estamos no ano de 1945, na península Indochina. A Segunda Guerra Mundial está prestes a acabar, mas no outro lado do mundo um outro conflito se faz presente, entre os franceses, que por décadas dominaram aquela região, e os locais, amparados por japoneses e vizinhos de interesses contrários. Os embates se tornariam maiores nos anos seguintes, e Tassen é apenas um dos tantos enviados apenas para garantir uma segurança regional que, sob uma ótica distanciada, nem fazia mais sentido. Acreditava-se, até aquele momento, que com o término dos confrontos na Europa, o resto do planeta encontraria calma e tudo voltaria a ser como antes. Muito se enganaram, como a história comprova. Ali estava apenas a primeira centelha, dentre tantas que se incendiaram nos anos seguintes, espalhando-se pela Guerra Fria e conflitos territoriais por toda a América Latina, África e Ásia. A França queria garantir sua posição, e seu exército é apenas uma peça em um tabuleiro muito maior. Mas por quanto tempo essas ordens seguirão válidas?
Basta o bater do vento ou a mudança das marés que tudo ao redor daqueles que pareciam estar tão determinados se modifique por completo. Tassen escapa com vida de um massacre no qual ninguém deveria ter sobrevivido. Quando reencontra seus compatriotas, é com dificuldade que veem nele um colega de armas. É preciso se recuperar, mas logo estará inserido, mais uma vez, no dia a dia da infantaria. No entanto, enquanto uns analisam estratégias e elaboram planos, ele tem apenas uma coisa em mente: dar cabo naquele que acabou com a sua existência. E, com isso, se refere ao líder revolucionário local que nada fez diante de um massacre em que muitos foram mortos com requintes de crueldade. Entre esses, o irmão e a cunhada do protagonista. A dor, como se percebe, é íntima. Ele nada tem a fazer na França que não mais reconhece como casa. Seu lugar é ali, e seu propósito é apenas um.
Não importa em qual lugar do planeta o ser humano esteja, ele nunca estará sozinho. E mesmo tão longe de onde pensavam estar suas raízes, Tassen mesmo assim consegue traçar laços e cruzar por caminhos inesperados. Uma é a prostituta Maï (Lang Khê Tran), que se abre para ele não apenas fisicamente, mas também na última coisa que lhe resta, que são suas emoções. A relação entre os dois começa como um negócio qualquer, para ela, mas ele demora para perceber a natureza daquele encontro. Aos poucos o que os une vai se transformando, e como o amor e o ódio andam sempre juntos, não demorará para que aquilo que os atrai também acabe por afastá-los. É diferente do que se estabelece entre ele e Cavagna (Guillaume Gouix), um soldado como ele, por quem sente um incômodo tão imediato quanto a necessidade de estarem sempre juntos. É quem o conhece, em quem confia, e aquele que terminará por revelar seus mais profundos segredos. Por fim, há Saintonge (Gerard Depardieu), o velho poeta que fez daquela terra devastada um lar. Cada um possui seu motivo bastante próprio para interferir na jornada árdua e sofrida do protagonista.
O diretor Guillaume Nicloux (O Vale do Amor, 2015) aposta na força das imagens para compor o âmago de sua história. Estão nas selvas exuberantes e violentas, no sexo forçado e desesperado, no físico de homens e mulheres abatidos e, ao mesmo tempo, prontos para o passo seguinte, e nos diálogos que não tardam para se transformar em agressões as cores empregadas para pintar uma história de angústias e solidões, tão privada em sua essência, mas absolutamente universal diante o contexto em que se encontra inserida. Gaspard Ulliel havia revelado sua maturidade enquanto ator em trabalhos como Saint Laurent (2014) ou É Apenas o Fim do Mundo (2016), mas aqui se joga sem rede de proteção, confiando na expressão do próprio rosto e na força de sentimentos contraditórios para dar luz a um homem que, de tão perdido, nem mais as reconhece, tamanha é a escuridão de onde se encontra.
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