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Onde Assistir

Sinopse

A realidade complexa e repleta de nuances das pessoas que vivem como moradores em situação de rua.

Crítica

Indicado ao Oscar 2022 de Melhor Curta Documentário, Onde Eu Moro toca no urgente tema das populações em situação de rua. Porém, nos seus 40 minutos, o filme traça um painel superficial dos pontos de vista humano, social, político e cinematográfico. A abordagem dos cineastas Pedro Kos e Jon Shenk pode ser definida como um rasante distanciado sobre uma questão complexa. Para começo de conversa, há as entrevistas com pessoas sem-teto que expõem medos e anseios. Sobressaem as particularidades dos personagens nessa construção clássica, com a câmera registrando de frente, sem oferecer o contraplano. Os bate-papos servem somente para que tenhamos conhecimento da heterogeneidade da gente que sobrevive como pode às dificuldades atreladas à impossibilidade de moradia. Dentre eles, o homem que fala dos contratempos com a justiça e dos problemas mentais que lhe dificultam persistir na busca por abrigo; o jovem transexual cujo testemunho acrescenta a falta de apoio familiar pós-revelação de sua identidade de gênero; a mulher que desaba ao mencionar que não tem ninguém; a senhora que trabalha e volta diariamente para seu beliche num abrigo. A ideia é bem esta: construir uma ampla imagem que contenha perfis diversificados.

Nenhuma dessas entrevistas vai além da função de colocar pecinhas num quebra-cabeça. Curiosamente, o único relato que diverge da tônica dominante acontece com a assistente social aparecendo (o que enfatiza o vínculo humano inexistente nas conversas em que não há contracena). A funcionária se emociona com a história da mulher grávida (em decorrência de um estupro) que faz de tudo para manter as aparências aos seus filhos pequenos. Faltam momentos como esse em Onde Eu Moro, nos quais o tema da população em situação de rua deixa de ser algo estatístico e se torna um problema comum, a ser encarado por todos. No entanto, Pedro Kos e Jon Shenk preferem continuar simplesmente encaixando depoimentos e episódios nesse painel frágil e sem qualquer ímpeto propositivo. A câmera mostra administradores públicos pensando em formas para resolver essa crise crescente, mas não problematiza e/ou comenta a atuação desses homens e mulheres. Os gestores são meramente encarados como “gente tentando resolver”. Em nenhum instante há ponderações sobre a responsabilidade do Estado ou mesmo alguém apontado o dedo à voracidade do mercado imobiliário.

Ainda que disponham de um curto espaço de tempo, Pedro Kos e Jon Shenk conseguem ser repetitivos. O distanciamento da abordagem é evidenciado pelos muitos planos aéreos de contexto. Em vez de sugerir semioticamente a discrepância entre arranha-céus em construção e milhares de barracas improvisadas nas calçadas, essas tomadas se contentam em descrever lamuriosamente. Os drones sobrevoam as cidades como se registrassem friamente o movimento diário de adequação dos que não têm para onde voltar. Os realizadores ainda insistem no registro (também ao longe) de pessoas dentro de seus apartamentos, tentando com isso criar um contraponto à vulnerabilidade dos homens e mulheres em situação de rua. Essa montagem dialética até tem algum efeito na primeira vez, mas perde completamente a relevância quando a reiteração deixa de ser uma aliada e se torna um subterfúgio sem muita efetividade. Do mesmo modo, perdem rapidamente a eficácia os vários timelapses – aquelas exibições aceleradas que denotam a passagem de tempo. Se não é para enfatizar a voracidade mudança das metrópoles pelas construções, porque insistir na sinalização de um ritmo frenético?

Onde Eu Moro pode ser definido como um filme bem intencionado, mas ingênuo. Bem intencionado, pois lança luz sobre um problema social urgente e, ao menos, tenta cobrir o maior terreno possível para evitar distorções ou mal-entendidos. A câmera demonstra um bem-vindo ímpeto humanista diante dessas pessoas que não encontram alternativas por conta de más escolhas, de impossibilidades e dos abismos impostos pelas lógicas capitalistas do mundo. Ingênuo, pois evita fazer diagnósticos mais profundos e passa longe de tocar em pontos vitais que poderiam se transformar em controvérsias. Prova disso, a rapidez com que acompanha a resistência dos “cidadãos de bem” desfavoráveis a um plano de moradias que afetaria a configuração de suas vizinhanças. À eleição de um personagem para servir de exemplo da grave crise que afeta não apenas os Estados Unidos, mas qualquer país do mundo, Pedro Kos e Jon Shenk preferem diversas amostragens. Porém, a despeito da multiplicidade, as peças viram redundâncias pelo modo como são burocraticamente encaradas. O filme insiste nos sobrevoos que despersonalizam, nas tomadas que “denunciam” o conforto dos que moram sob um teto, se achega respeitosamente das pessoas em situação de rua, mas constrói um retrato inofensivo. Aparentemente, basta demonstrar consciência, sugerir empatia pelos sofredores, mas nunca se aprofundar na sua via crúcis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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