Olhos da Justiça

Crítica

Para o público brasileiro, que tem maior intimidade com o cinema argentino comparado aos espectadores norte-americanos, Olhos da Justiça não se mostrará um programa dos mais suculentos. Dirigido por Billy Ray, o longa-metragem de elenco graúdo (Julia Roberts, Nicole Kidman, Chiwetel Ejiofor) é um remake precoce de O Segredo dos seus Olhos (2009), filme argentino capitaneado por Juan José Campanella e estrelado por Ricardo Darín. O Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira vencido pela produção dos nossos hermanos pode ter dado maior atenção ao título ao redor do mundo, mas não para as plateias dos Estados Unidos. Só isso explica uma refilmagem feita pouco mais de cinco anos depois de o original ter abarcado nos cinemas. Em outras palavras: só quem não assistiu ao magnífico longa argentino sairá de uma sessão de Olhos da Justiça achando ter visto um grande filme.

Apesar de ter dirigido produções como O Preço de uma Verdade (2003) e Quebra de Confiança (2007), Billy Ray é mais conhecido pelos roteiros de sucessos como Jogos Vorazes (2012) e Capitão Phillips (2013). Olhos da Justiça parecia ser sua grande chance de fazer o pulo definitivo de roteirista para cineasta – ou, ao menos, se consolidar como um diretor que assina seus próprios roteiros, um luxo de poucos na grande indústria do cinema. No entanto, Ray não saiu da zona de conforto, mantendo-se na sombra de Campanella durante boa parte do filme. Até a famosa cena do falso plano-sequência no estádio de futebol (aqui, mudado para um estádio de beisebol) continua ali, provando de uma vez por todas que originalidade não é algo a ser buscado. É um remake, afinal de contas. Mas dava para ousar um pouco mais, não?

Nem tudo são lástimas. Billy Ray dá uma polida no roteiro de Campanella – que havia se baseado no livro de Eduardo Sacheri – conseguindo melhorar algumas passagens, intenções e motivações de alguns personagens. Um bom exemplo disso é transformar o viúvo do filme original em mãe da moça assassinada – papel defendido com esmero e real entrega por Julia Roberts. É muito mais fácil acreditar na fúria e dedicação de uma mãe em luto. E a atriz, que a cada novo papel se importa menos com a aparência e mais com o que precisa dar aos seus personagens, rouba o filme a cada nova cena. Ela é o destaque deste elenco que ainda conta com corretas performances de Chiwetel Ejiofor, Nicole Kidman, Michael Kelly e Alfred Molina.

Outro ponto interessante da adaptação é a mudança de background. Se em Segredo dos seus Olhos a ditadura argentina era um pano de fundo importante, no remake temos a luta contra o terrorismo nos Estados Unidos pós-11 de setembro como cenário. Na trama, o agente do FBI Ray Karsten (Ejiofor) está destacado para caçar ameaças terroristas quando se depara com um caso de feminicídio brutal. Para piorar, a vítima é filha de sua parceira de trabalho, a agente Jess (Roberts). Contando com a ajuda de sua paixão platônica, Claire (Kidman), que acabou de chegar à agência, Ray tenta de todas as formas pegar o culpado. Suas investigações conseguem avanços promissores, mas suas mãos estão atadas por interesse de seus superiores. O caso não é fechado, o que deixa uma lacuna enorme na vida daquele homem. Mais de uma década se passa e Ray está convencido de que encontrou o assassino novamente. Mas abrir antigas feridas é a forma correta de prosseguir?

Sem o senso de humor da produção original, mas com alguns acertos que o salvam da vala comum, Olhos da Justiça não consegue ser autoral o suficiente para se mostrar uma produção memorável. Quem não teve contato com o longa argentino se surpreenderá com os caminhos da trama, mais soturna do que o usual. Billy Ray se apresenta melhor roteirista do que diretor, se dando mais lastro para mudanças no script do que no set. Talvez nas mãos de um David Fincher, de Seven (1995), ou de um Denis Villeneuve, de Os Suspeitos (2013), tivéssemos um produto final mais interessante, mais autoral. Mas talvez isso seja pedir demais vindo de um remake.

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Rodrigo de Oliveira

é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.

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