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Sinopse
Em Oh, Canadá, com uma doença que pode tirar sua vida a qualquer momento, o documentarista norte-americano Leonard Fife decide dar uma última entrevista, sem filtros, antes que seja tarde demais. Na mansão onde vive com a esposa, em Montreal, ele recebe um ex-aluno e confessa que sua reputação como ícone progressista foi construída com mentiras e meias-verdades. Drama.
Crítica
Poucos diretores têm o ímpeto de manter uma carreira marcada por riscos estéticos e filosóficos em tempos nos quais até o radicalismo parece já empacotado. Paul Schrader, desde que ajudou a redefinir o cinema estadunidense dos anos 1970 como roteirista de Taxi Driver (1976), não abandonou o confronto. À medida que o tempo passa, parece ainda menos disposto a suavizar suas inquietações. Em Oh, Canadá, aos 78 anos, o cineasta retorna com obra que recusa concessões fáceis, revisitando temas como culpa, redenção e engano. Há camada de estranhamento que não apenas provoca, mas embaralha os sentidos, não por vaidade, mas por honestidade brutal – mesmo que ela confunda em demasia.
Na trama, Leonard Fife é documentarista renomado que, nos últimos suspiros da vida, decide gravar um depoimento que revise sua trajetória e, mais do que isso, desmonte as mentiras que a sustentaram. Ao se julgar fraude, Leo quer entregar ao mundo algo verdadeiro, ainda que tardio. Ecoando a figura de nomes como Sebastião Salgado, o protagonista já esteve em todos os cantos do planeta, sempre atrás do real, enquanto mascarava o próprio íntimo. Para dar vida ao personagem em sua fase mais madura, Schrader convoca Richard Gere, retomando parceria iniciada em Gigolô Americano (1980). A juventude de Leo, por sua vez, ganha corpo com Jacob Elordi, representante de nova geração que o diretor mostra estar de olho.
Sem receio de frustrar quem espera linearidade, a empreitada flerta com o delírio e trafega entre gêneros com desenvoltura. A atmosfera onírica contamina o drama, o registro de viagem e a investigação pessoal. Schrader propõe labirinto, e Leo caminha por ele como quem tenta decifrar versão de si mesmo que talvez nunca tenha existido. As cores se transformam, as fronteiras do real se embaralham, e a montagem cria estado de suspensão que convida o público não a entender, mas a sentir a desorientação do protagonista. O diretor não quer simplificar: está mais interessado em fazer reverberar a amargura de homem que já não reconhece o próprio reflexo.
Neste jogo de espelhos, os coadjuvantes têm função crucial para sustentar a fragilidade do enredo. Ainda que não totalmente desenvolvidos, servem como âncoras para um espectador que precisa montar o quebra-cabeça narrativo com as peças disponíveis. O romance que surge no percurso, a jornada que insiste em se alargar, as lembranças que brotam fora de hora – nada é didático, tudo precisa ser absorvido com paciência. Há ecos do surrealismo de Luis Buñuel e do descompromisso com o realismo que o próprio diretor já empregou no passado.
A aposta dividirá opiniões, e não à toa. A alternância entre Gere e Elordi cria ruídos que, embora pensados, soam desordenados. Schrader, por vezes, parece improvisar com os próprios pensamentos, tentando extrair algo que seja, enfim, incontestável. Nem sempre consegue. No frigir dos ovos, embora Oh, Canadá tenha intenções instigantes, é em Fé Corrompida (2017) que reside sua obra mais contundente dos últimos tempos. Esta, sim, coesa, feroz e devastadora – uma trinca que aqui não se encontra.
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