O Último Lance

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Sinopse

Um velho negociante de arte, Olavi, está prestes a se aposentar. Ao perceber um quadro antigo à venda, suspeita que ele seja muito mais valioso do que o lance inicial e decide correr atrás dessa oportunidade com o apoio do neto, Otto. Mas, para realizar esse sonho, terá que enfrentar tanto a casa de leilões quanto seus próprios erros do passado.

Crítica

O imbróglio familiar ocupa boa parte da trama de O Último Lance, cujo protagonista é Olavi (Heikki Nousiainen), negociante de artes atolado em dívidas. Com dificuldades para manter o seu negócio funcionando plenamente, diante da aposentadoria que bate à sua porta, ele reluta bastante em aceitar o neto, Otto (Amos Brotherus), como estagiário da galeria. Sua filha, Lea (Pirjo Lonka), engole o orgulho fomentado por velhos ressentimentos e pede ajuda, uma vez que o adolescente foi pego roubado, ou seja, precisa de um espaço para desenvolver-se longe de possíveis encrencas. O cineasta Klaus Härö oferece poucas informações acerca do contexto das desavenças, evitando explicitar porquês e senões. Todavia, esse caráter lacunar, que poderia ditar o tom da narrativa, não se estende ao modo como o todo se desenvolve, ancorado em convenções e facilidades. É abrupta, por exemplo, a transição entre as animosidades iniciais e o companheirismo que reúne familiares.

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Por conta da pressa à apresentação da parceria forçada entre avô e neto, O Último Lance perde boas oportunidades para temperar a convivência com elementos densos, assim logo se entregando a uma fórmula surrada. A partir dela, a paixão pelo negócio é transmitida prontamente ao novato que, como num passe de mágica, se esquece da negligência familiar de Olavi, minimiza as diferenças geracionais e a sensação de estar cumprindo uma jornada contrária ao ímpeto contestador de sua juventude, e passa a ser um incansável apoiador do parente. Falta tônus dramático a esse personagem essencial, até porque ele é preterido em função da obsessão do protagonista por um quadro vendido a preço inferior num leilão. O filme não consegue definir se aborda prioritariamente a tenacidade do idoso na área à qual se dedicou a vida inteira ou se mergulha de cabeça na reconciliação consanguínea. Por conta dessa indecisão, acaba ficando no meio do caminho.

O Último Lance ensaia, ainda, um panorama da ganância que domina o mercado das artes. Mas, em nenhum momento o quadro considerado banal pelos leiloeiros e absolutamente valioso por Olavi é observado de uma perspectiva que não a meramente mercantil. Embora Klaus Härö permita que questionamentos venham à tona – como o fato do artista não ter assinado a obra, bem como a característica icônica que poderia explicar esse “descuido” – o que está em jogo é a possível lucratividade de uma operação estritamente comercial. Portanto, o fato do protagonista ser marchand é praticamente irrelevante, uma vez que, guardadas as particularidades operacionais, o enredo poderia, sem maiores perdas, se passar num âmbito qualquer. A camada potencialmente concedida por um mundo singular, com regras e engrenagens particulares, é subaproveitada como motriz. A espessura dramática se faz presente mais em instantes isolados do que no todo desbotado.

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No que tange ao elenco, apenas Heikki Nousiainen consegue atingir bons resultados. Os demais personagens estão ali para cumprir funções, não se destacando por alguma atuação específica. A filha surge em pontos específicos para confrontar o pai pelo passado de abandono; o neto, com o qual interage mecanicamente, é a sua chance de transformação; e o leiloeiro serve como uma espécie de vilão inescrupuloso. O Último Lance se ressente da ausência de sutilezas, algo que pode ser visto na cena em que avô e neto contemplam uma tela pintada para apresentar, justamente, a transição entre o velho e o novo. Provavelmente por não confiar na capacidade do espectador de estabelecer a óbvia relação, Klaus Härö coloca a metáfora na boca do protagonista, incorrendo na reiteração contraproducente. Entre denunciar a hipocrisia dos bastidores e apresentar trajetos de redenção supostamente desviantes da curva do lugar-comum, o filme empalidece.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Marcelo Müller
4
Roberto Cunha
6
MÉDIA
5

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