Crítica


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Sinopse

Um terremoto deixou mais de 25 mil mortos na Armênia em 1988. Gor, que havia deixado o país em busca de novas oportunidades de trabalho, retorna para procurar sua família entre os destroços.

Crítica

Em 07 de dezembro de 1988, um tremor de cerca de 7 graus na escala Richter atingiu a cidade de Spitak, Armênia, então território da União Soviética. Deixando mais de 25 mil mortos e 500 mil desabrigados, o terremoto é considerado a maior tragédia da história recente do país, permanecendo vivo na memória de seu povo. Três décadas depois, O Terremoto de Spitak, do russo Aleksandr Kott, revive o devastador evento pelo olhar de Ghor (Lernik Harutyunyan), homem que vive em Moscou e, logo após tomar conhecimento do ocorrido, decide regressar à sua terra natal à procura da família que havia deixado para trás: os pais, a esposa, Ghoar (Hermine Stepanyan), e sua pequena filha, Anush (Alexandra Politic). Kott é extremamente econômico nessa contextualização da tragédia, bem como na apresentação dos personagens. Bastam cinco minutos de projeção para que Ghor deixe sua atual companheira – ou assim fica insinuado – na Rússia e, na sequência, desembarque em Spitak, iniciando sua busca.

Fica evidente desde o princípio que o diretor não almeja o espetáculo grandioso do filme-catástrofe. O terremoto em si é registrado na sequência inicial de modo breve e em escala reduzida, trazendo o ponto de vista de Ghoar e Anush, que o vivenciam dentro de um estúdio onde posavam para uma fotografia. O foco de Kott é mesmo nos dramas particulares, intimistas, marcados pelos laços familiares. Não que o longa não aumente o seu escopo, revelando as consequências do tremor ao acompanhar a jornada de Ghor entre os escombros da cidade junto da multidão de moradores, bombeiros, médicos, soldados e outros voluntários, como o grupo de detentos liberado temporariamente para auxiliar no resgate e prestação de socorro. Apesar de bastante direta à primeira vista, a abordagem de Kott se revela curiosa, dividindo a narrativa em dois universos distintos em tom e até mesmo em forma.

De um lado há um universo preso quase totalmente ao realismo, repleto de momentos de silêncio e envolto pelo desespero, pela dor e pela estafa física/mental, no qual Ghor caminha – com Harutyunyan ostentando a mesma expressão angustiada durante quase o tempo. Kott é comedido na exposição das emoções, evitando o uso exagerado de ferramentas como a trilha sonora grave ou grandes arroubos de dramaticidade. Há um peso natural nas situações, vide a imagem das crianças na sala de aula, revelada após os destroços da escola serem removidos. De modo geral, contudo, o tratamento dispensado pelo diretor é minimalista, por vezes até frio, como quando o ancião da cidade leva um garoto perdido para tentar reconhecer a mãe entre a fila de corpos estendidos no chão. Kott optar por não se ater apenas à empreitada de Ghor, trazendo breves fragmentos de outros dramas particulares – de figuras muitas vezes anônimas: o médico e sua nora, o soldado russo, etc. – alternando o protagonismo momentâneo das cenas e, assim, criando longas passagens que não envolvem o protagonista.

Alguns desses fragmentos paralelos conseguem, de fato, exercer algum impacto – a cena do operador do guindaste resgatando uma menina, que se imagina ser sua filha, e retornando ao seu ofício, por exemplo, é delicada e tocante. A maior parte, porém, se revela demasiadamente efêmera para estabelecer algum vínculo emocional particular, enquanto as figuras coadjuvantes que ganham mais espaço de Kott se mostram pouco interessantes, caso da fotógrafa francesa vivida por Joséphine Japy. Quase nada se sabe sobre suas personalidades ou histórias de vida, o que se estende ao próprio Ghor, exceção feita a um par de flashbacks de sua infância/juventude que trata da relação com a esposa. Assim, Kott não oferece uma densidade capaz de fazer com que o espectador se relacione com os personagens para além da empatia natural e da comoção coletiva em torno da tragédia.

O outro universo de O Terremoto de Spitak é habitado por Ghoar e Anush, no qual a fantasia impera desde os primeiros planos – a coruja empalhada piscando para a garota, a máquina fotográfica que parece saída do século XIX, como se este universo estivesse deslocado da realidade temporal, etc. A relação com a mãe, as roupas, o chapéu de coelho e outros elementos incorporados por Anush escancaram um tom lírico, bem como o aspecto visual, com mais cores, plasticidade, sem a câmera trêmula que circula a cidade em ruínas. O problema, contudo, é que há um grande conflito entre esses dois espectros, que não se integram, mesmo quando o diretor tenta inserir a poesia no universo de Ghor – como o soldado que lê Guerra e Paz em meio ao caos e destrói seus óculos para “não ver mais o sofrimento”. Tal ruído impõe ao longa uma aura meio esquizofrênica, expondo um trabalho de ambições elevadas, e de alguma forma intrigante, mas que no fim gera pouco engajamento emocional ou reflexivo, não encontrando completamente a voz própria que almeja para fugir do convencional.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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