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Sinopse

Quando Jay decide levar a namorada Amy numa viagem ao seu país natal, a Índia, ele pretende propô-la em casamento. No entanto, os planos românticos são sabotados quando o casal testemunha, em meio à floresta, um estranho ritual de exorcismo que leva ao abandono de uma garota amordaçada. Inconformada com a crueldade do ato, a médica Amy resolve resgatar a menina. Ela não suspeita que pode estar liberando uma poderosa força maligna pela região.

Crítica

Plano aéreo de um carro percorrendo uma longa estrada entre as árvores. Um grupo de jovens atraentes entrando numa floresta escura, para então se perderem e gritarem apavorados. Vultos passando no fundo do corredor de uma casa. Garotinhas silenciosas, com o cabelo cobrindo o rosto. Rituais de exorcismos macabros no meio da floresta. Presenças sobrenaturais e sem rosto atrás dos personagens. O Segredo da Floresta (2019) contém todas as passagens obrigatórias do terror, podendo facilmente ser reconhecido enquanto tal desde a primeira cena. O cenário exótico, no caso, corresponde a Nova Delhi, cidade ao norte da Índia, ainda que o olhar dos personagens (e a verba para a produção) provenha dos Estados Unidos. Por trazer cineasta indiano no comando da trama, esperava-se uma representação diferente do exotismo, com direito a uma imersão nos costumes típicos do país. Ora, o espectador encontrará sobretudo o olhar da alteridade, traduzido na figura de indianos servis, pouco civilizados e acostumados à prática de rituais bárbaros.

O resultado poderia constituir um escapismo por caminhos seguros do horror, caso a produção não fosse tão problemática. Para além dos espíritos malignos e seitas macabras, o que chama a atenção neste filme é o trabalho bastante fraco de direção de fotografia, direção de arte e montagem. Parte considerável da trama se passa dentro de um quarto de hotel mal iluminado, de pouco volume e textura. As paredes esverdeadas e os poucos móveis deixam a impressão de um trabalho deficiente de decoração (os personagens sugerem que se trata de um hotel de luxo), ao passo que as cenas externas, perto de lagoas ou na floresta à noite, sugerem a falta de recursos para iluminação e para a filmagem. As imagens são captadas por equipamentos de baixa qualidade, sublinhando o aspecto de uma produção caseira. Tanto Vanessa Curry quanto Sahil Shroff, nos papéis principais, efetuam trabalhos dramáticos simplórios (ela está sempre parada, de pé, sem saber o que fazer com os braços e mãos, enquanto ele ostenta uma única expressão ao longo do filme inteiro), ao passo que a montagem encontra dificuldade em imprimir ritmo, especialmente no segundo terço, quando a narrativa estaciona.

No entanto, ainda mais problemático é o trabalho de som. Talvez por perceber um resultado imagético monótono, o diretor estreante Vikram Jayakumar e o diretor de som Jody Abbott aplicam um sem-número de recursos sonoros extras, ao limite da saturação. O Segredo da Floresta é bastante prejudicado pela pós-produção, que combina efeitos sonoros baratos (os tradicionais sustos diante de alguma aparição, além de rangidos de portas e barulhos da floresta) e trilha sonora invasiva e genérica, ambos em volumes altíssimos em comparação às vozes a aos sons ambientes. Cada assombração é acompanhada de tamanha interferência sonora que o espectador antecipa a quilômetros de distância a chegada de um susto ou revelação. Quando estes efeitos se aplicam a desajeitadas cenas catárticas (Jay girando 360º sem motivo na floresta, a reação desproporcional de Navin ao abrir uma porta secreta), o produto da combinação áudio e vídeo se aproxima do humor involuntário. Ainda que se situe na Índia, terra de uma riqueza cultural ímpar, conhecida pela relação particular com os deuses e os rituais, o resultado se aproxima ao pastiche de uma monstruosidade qualquer – a entrada na floresta em plano aéreo, o sumiço nas árvores e as vozes sussurrantes correspondem aos códigos de qualquer produção hollywoodiana.

Talvez este seja o fator mais incômodo na produção: a ausência de personalidade narrativa e imagética. Os produtores viajam longe para fornecer um efeito que poderia ser facilmente extraído nas florestas da América do Norte, enquanto passam tempo excessivo no quarto de hotel com aparência de estúdio. Viaja-se a um país distante para extrair dele algo que possa agradar ao público norte-americano, ou seja, a representação de uma cultura distante enquanto cenário. Estimula-se o medo pelo desconhecido, pelo outro, pelo diferente, algo que constitui uma premissa questionável por si própria. A decisão de colocar a médica branca enquanto salvadora do povo indiano resulta em outro movimento problemático. Quando estes dois universos se fundem, o roteiro proporciona algumas cenas absurdas, a exemplo do exorcismo falso, praticado pela mulher que não acredita em espíritos, e o retorno de um personagem que sangra e caminha quilômetros até entrar ileso num quarto de hotel. As concessões à lógica terminam por limar o potencial de um projeto que não transparece um cuidado com o roteiro e o discurso.

A decepção se torna ainda maior devido à presença de conflitos capazes de suscitar discussões pertinentes. Amy questiona se a suposta possessão da garotinha indiana não poderia ser justificada por um diagnóstico psiquiátrico (bipolaridade, esquizofrenia), o que conduziria a narrativa pelo fértil embate da ciência contra o misticismo, do conhecimento contra a fé. Em outro momento, sugere-se que Jay se sinta como um estrangeiro em seu próprio país de origem, por viver há muito tempo nos Estados Unidos. Caso enveredasse por este caminho, Jayakumar traria um interessante distanciamento no que diz respeito ao olhar estrangeiro. Ora, estas pistas são abandonadas sem deixar traços. O diretor está mais preocupado com a produção de sensações do que com a reflexão sobre o tema abordado. A maior prova deste posicionamento se encontra no clímax, com a tela completamente preta enquanto uma enxurrada de gritos e ruídos satura a banda sonora. A escolha poderia ser assustadora caso a ausência de imagem tivesse uma justificativa plausível e produzisse uma consequência inesperada, mas não é o caso. O caos audiovisual do clímax lembra as crianças contando histórias de terror no escuro, iluminadas por uma lanterna, até algum espertinho apagar a luz e soltar um grito. A longuíssima cena pós-crédito também muda a narrativa a tal ponto que compromete tudo o que veio antes. O Segredo da Floresta se conclui como obra incoerente, cujo nível de produção surpreende mais do que os fantasmas.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
3
Alysson Oliveira
1
MÉDIA
2

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