Onde Assistir
Sinopse
Depois da morte repentina de sua namorada, Benny decide, em um impulso, viajar até a Islândia. Ao visitar um museu sobre bruxaria e feitiçaria, ele conhece a história de Loftur, um antigo feiticeiro que era capaz de ressuscitar os mortos. Ele decide seguir esse ritual, que envolve a doação de objetos, uma tatuagem e até um assassinato. Mas tudo pode estar acontecendo apenas na cabeça de Benny.
Crítica
O espectador pode demorar certo tempo até compreender como todas as esquisitices de O Ritual se relacionam. Por que Benny (Barak Hardley) está lambendo torneiras de banheiros públicos? Quem é a mulher bêbada caminhando em direção à piscina? Por que ele viaja à Islândia, e quem são estas figuras mágicas evocadas dentro de um museu folclórico? Aos poucos, todos esses elementos se esclarecem e se repetem, incessantemente: o filme se assemelha a um pesadelo onde todos os personagens, conflitos e cenários existem unicamente para afetar Benny e retirá-lo do torpor em que se encontra após a morte da noiva. Este não é um universo verossímil: o diretor Brendan Walter molda o mundo às necessidades de seu protagonista.
O curioso roteiro costura uma infinidade de gêneros: o drama, o suspense, o terror, a comédia, a aventura, o road movie, o filme de férias, a jornada de autodescoberta, o passeio turístico. Qualquer elemento que pareça sério demais (as pedras rúnicas, a tatuagem com símbolos ocultos) é ridicularizado na cena seguinte, consequência de um filme contente demais com sua liberdade narrativa. É possível que o resultado seja aprovado ou rejeitado pelos mesmos motivos: a aparência constante de uma brincadeira luxuosa, com múltiplos cenários e efeitos especiais, dentro de um stoner movie tão preocupado com a superação do luto quanto em incluir piadas sobre pênis e testículos. Existe um aspecto ao mesmo tempo adulto e pré-adolescente na maneira como Walter concebe esta improvável história de excessos.
Felizmente, o ator principal possui a desenvoltura e o senso de autoparódia necessários para conduzir o projeto. Barak Hardley, também autor do roteiro, ridiculariza a si próprio o tempo inteiro, desprezando as normas do “bom gosto” ao encarnar o tipo cético rodeado de pessoas crentes, e o sujeito gordo, sem medo de exibir sua nudez frontal, num circuito avesso às representações do pênis. Hardley herda a imaturidade de tipos como Seth Rogen, porém num contexto europeu menos conservador do que o norte-americano. Por isso, pode fazer piadas consigo mesmo enquanto idealiza a coragem de se ridicularizar. O “perdedor” é transformado em herói, como se este cinema fantástico servisse de compensação simbólica aos homens fora dos padrões de masculinidade.
Ao mesmo tempo, existe evidente cuidado da produção em tornar estas imagens grandiosas. Por mais que O Ritual faça chacota dos estereótipos nórdicos e norte-americanos, ele demonstra fascinação pelos gigantescos cenários islandeses e carinho pelos turistas com suas selfies. A imagem é carregada de uma granulação digna de películas antigas, embora talvez seja obtida via efeitos de pós-produção digital (uma escolha curiosa para um projeto pós-moderno), enquanto o diretor faz questão de enquadrar os seus personagens no canto das imagens em scope, reforçando o não-pertencimento de Benny àquele espaço e também a impressão gratuita de estranhamento a qualquer preço. Ao invés de propor uma linguagem coesa da primeira à última cena, o diretor está mais preocupado em executar o avesso do cinema comercial, condicionando-se a este: nos momentos em que normalmente se colocaria uma trilha sonora de tensão, o cineasta prefere o silêncio, e durante uma cena cômica, inclui trilha sonora grandiosa. Quando o protagonista parece perdido, uma solução mágica é oferecida a ele, e quanto a narrativa se encaminha a um destino preciso, ela bifurca e surpreende.
Por fim, obtém-se uma experiência curiosa, repleta de bons atores e belas intenções, porém saturada de elementos, gêneros e conflitos. A comédia soa, por fim, bastante rasa, efetuando diversos contorcionismos narrativos pelo prazer de fazê-lo, como um projeto vaidoso do diretor. Embora aponte para temas profundos e dignos de abordagem dentro de uma comédia (pela capacidade de distanciamento via humor), o filme jamais se aprofunda no luto, na questão do destino contra o livre arbítrio, ou ainda no sentimento de culpa diante de um suicídio. Ele brinca com estereótipos sem subvertê-los, alude a gêneros que não pretende de fato explorar – o terror nunca se concretiza de fato. Walter move inúmeros recursos para efetuar um projeto cuja leveza se confunde com indiferença.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.
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