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Sinopse

Ben Burns é um problemático jovem que volta para a casa de sua família na noite de Natal. Sua mãe, Holly, o recebe com todo amor, porém logo percebe que ele ainda pode trazer perigo para o lar. Durante 24 horas que podem mudar a vida de todos para sempre, Holly deve fazer de tudo para impedir que sua família seja destruída.

Crítica

Em certo ponto da trama de O Retorno de Ben, a personagem de Julia Roberts, Holly, vira para o marido, Neal, interpretado por Courtney B. Vance, e diz: “confie em mim”. É o que ele, inevitavelmente, se vê obrigado a fazer, pois logo em seguida ela sai sozinha pela porta, fechando-a na sequência e, com isso, impedindo-o de segui-la. Afinal, eles possuem dois filhos pequenos, além de uma garota adolescente, e o homem precisa permanecer em casa para cuidá-los. No entanto, a matriarca parte atrás do primogênito, Ben (Lucas Hedges), e tudo o que faz partir de então é o oposto do que deixara avisado: se mete em lugares perigosos, demonstra um comportamento errático, participa de uma tentativa de suborno e passa a mentir invariavelmente, toda vez que é contatada pelo telefone. Ela faz isso não por querer o mal dos que ficaram para trás, mas por acreditar ser esse o único caminho para salvar o filho, algo que os demais não conseguiriam compreender. E se fica difícil para o resto da família seguir apoiando suas decisões, uma vez que desconhecem todos os fatos, para a audiência o fardo não é menor, uma vez que muito dos seus posicionamentos são, no mínimo, questionáveis.

O título é levado ao pé da letra logo no começo da ação: Holly chega em casa com os três filhos e se depara com o mais velho à espera deles, no lado de fora. É véspera de Natal, e o garoto afirma ter sido liberado para passar o feriado com os seus. A reação de quem está no carro, no entanto, é ainda mais esclarecedora a respeito dos traumas que cada um ali enfrentou nos últimos tempos: assim como a mãe sai rapidamente para ir ao encontro do rapaz, entre gritos de alegria e incredulidade, a irmã que tem quase a mesma idade se mantém imóvel, preferindo agir com cautela e precaução – sua primeira medida é ligar para o padrasto e contar a novidade. Já os pequenos, alheios ao que o outro representa, são pura excitação: é Ben que está ali, o irmão do qual sentem saudades, e tudo o que querem é mais uma vez abraçá-lo.

Uma coisa é importante observar: Ben e Ivy (Kathryn Newton, de Não Vai Dar, 2018) são filhos de Holly com o primeiro marido, enquanto que Neal é o segundo casamento dela, pai adotivo deles e legítimo apenas dos caçulas. A responsabilidade maior pelo que Ben é e significa está, não de forma surpreendentemente, sobre os ombros da mãe, que assume a tarefa sem pestanejar. A presença dele, no entanto, é inesperada: está no meio de um tratamento para se livrar do vício das drogas e, supostamente, não deveria ter direito a sair tão cedo – principalmente porque, em ambientes não controlados, estaria mais sujeito às ‘tentações’, por assim dizer. Mas ele está comprometido, afirma ter sido liberado para o feriado por bom comportamento, por estar avançando em sua melhora, e não sairá das vistas dos familiares. Um meio termo se alcança: ao invés de passar o fim de semana, ficará apenas aquele dia, para a troca de presentes e a ceia, e assim, no dia seguinte, seria levado de volta à clínica.

Neste momento, quando tudo parece se encaminhar para um drama familiar de ambições íntimas, O Retorno de Ben adquire outro tom, alterando drasticamente sua história. É quando, após retornarem da missa, à noite, descobrem que uma janela foi quebrada e o cachorro de estimação foi levado. O que aconteceu logo fica claro: Ben possui dívidas com velhos conhecidos, traficantes da região, e quando descobrem que ele está de volta, percebem que chegou a hora para um acerto de contas. Ele está determinado a limpar os estragos cometidos meses antes, e por isso parte imediatamente atrás dos possíveis culpados. Mas não fará essa jornada ao inferno sozinho. Holly decide ir ao seu encalço, e mesmo que não permaneçam juntos cada segundo, está na dualidade dessa relação entre mãe e filho em que a força do filme se sustenta. Por mais que se sinta essa quebra de narrativa, como se tivesse sido necessário dois filmes para que um bom argumento fosse desenvolvido.

Escrito e dirigido por Peter Hedges – pai de Lucas e roteirista indicado ao Oscar por Um Grande Garoto (2002) – O Retorno de Ben revela seus méritos nos talentos inegáveis dos dois protagonistas, pois tanto Julia Roberts (num dos seus melhores trabalhos em anos) como o jovem Hedges (ainda melhor do que no quase simultâneo Boy Erased: Uma Verdade Anulada, 2018) demonstram um nível de entrega e compreensão dos personagens que defendem que vão aos limites de duas composições carregadas de atenção aos detalhes e entendimento dos sentimentos que os unem. Não se trata de um filme fácil, e nem mesmo conduzido da melhor maneira na maior parte das vezes, mas que ainda assim se revela maduro o suficiente tanto para lidar com os próprios erros como também para crescer a partir das fragilidades que explora em tipos tão comuns e, justamente por isso, absolutamente universais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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