Crítica


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Sinopse

Eze é um jovem norte-americano de origem nigeriana. Após uma briga na escola, a mãe o envia contra a sua vontade à Nigéria para descobrir as raízes familiares. No local, ele conhece um primo distante, Pius, que vive de pequenos golpes aplicados na população de Lagos. O encontro entre os dois fornece a oportunidade perfeita para o adolescente mostrar a sua rebeldia, e para o nigeriano preparar um novo comparsa para o crime.

Crítica

O início deste suspense revela a chegada de Eze (Antonio J Bell) à Nigéria. O garoto norte-americano jamais visitou a terra de seus familiares, com a qual não possui qualquer identificação cultural. Ao que tudo indica, o ponto de vista pertence ao adolescente mimado descobrindo um país de corrupção, desigualdade e poucos recursos. Em 90% dos filmes, esta se tornaria uma oportunidade perfeita para Eze valorizar sua origem cheia de recursos materiais, em comparação com a pobreza africana. Neste caso, em contrapartida, o rapaz vindo de um país rico não possui qualquer vantagem em termos de conhecimento ou vivência em relação aos habitantes de Lagos. Ninguém o inveja ou manifesta curiosidade a respeito da vivência norte-americana. Ele não faz amigos. Quando tenta esfregar a pretensa superioridade norte-americana sobre uma menina bonita, ela o despreza. Na jornada do imperialista à África, “para descobrir quem é e de onde veio”, segundo a mãe, ele realmente trava contato com suas raízes, porém de maneira traumática. O jovem será tragado pelo local que não compreende, tornando-se cada vez menos autônomo. Paira um sutil, porém refinado aspecto de vingança histórica neste conto.

Quem assume gradativamente o controle da narrativa é Pius (Chinaza Uche), o primo nigeriano. Vivendo de golpes que raramente funcionam, ele aplica o maior golpe de todos ao sequestrar a trama, impondo-se aos poucos, em cenas secundárias, até roubar o protagonismo de Eze e se aproveitar do garoto para ganhos mais perversos do que o benefício financeiro. Nenhum dos opostos é visto de maneira particularmente otimista: enquanto o norte-americano ganha um retrato frio, sintoma de uma ideologia individualista e consumista (Eze vive preso ao telefone celular e ao computador, menosprezando a cultura local), o nigeriano constitui um ladrão numa terra de ladrões. Pius não tem motivos para seguir as leis, afinal, ninguém as segue. O diretor Faraday Okoro opõe indivíduos originários de mundos opostos, percebidos enquanto sintomas de seus ambientes, para constatar como se tornam nocivos um ao outro. O garoto vê no primo a oportunidade de afirmar a sua rebeldia, opondo-se simbolicamente aos pais que o enviaram à África contra a sua vontade. Já o golpista enxerga no adolescente um rosto novo, ingênuo e acima de qualquer suspeita – afinal, trata-se de um cidadão norte-americano. A possível história de amizade e conciliação se transforma no prenúncio de uma catástrofe.

Em sua primeira experiência à frente de um longa-metragem, Okoro demonstra impressionante controle da linguagem cinematográfica. O cineasta, em parceria com o diretor de fotografia Sheldon Chau, filma o suspense com os recursos típicos do drama: planos longos e fixos, conflitos desenvolvidos por sugestões ou elipses. O formato em scope permite que Eze seja inserido num contexto socioeconômico mais amplo, enquanto Pius é retratado por próximos ao rosto - enquanto o primeiro deseja fugir da sociedade, o segundo faz o possível para ir de encontro a ela. A iluminação apresenta trabalho impecável tanto em exteriores quanto interiores, atribuindo uma variedade impressionante de cores e texturas à pele negra e às roupas dos personagens, que se transformam ao longo da trama: um uniforme se torna disfarce; a roupa de “líder da tribo” se transforma em camiseta para fugir da polícia, e algumas horas mais tarde, converte0se numa camiseta coberta de sangue. Alguns momentos de forte tensão são retratados em plano-sequência, com a câmera móvel acompanhando Pius ou Eze num estacionamento enquanto pessoas suspeitas começam a aparecer ao fundo, em segundo plano. O espectador percebe o perigo, mas os protagonistas, não. Ainda melhores são as cenas que se transformam diante dos nossos olhos: a venda de um carro revela-se um golpe financeiro; o golpe financeiro se transforma numa batida policial; a possível amizade entre Eze e Wallace (Craig Matthew Scott) transforma-se novamente em golpe.

Assim, o espectador não pode antever ao certo o objetivo de cada cena até seu término, graças a este jogo tão empolgante quanto orgânico. Com a câmera móvel acompanhando as andanças de Pius, homem desesperado para honrar uma dívida, e Eze, rapaz que não tem nada a perder, o espectador tem a sensação próxima de uma experiência em tempo real. A tensão jamais diminui, tampouco isenta os dois personagens de responsabilidade por seus atos. Em oposição aos dois criminosos, o mundo das leis adquire um aspecto de violência (o chefe corrupto da polícia) ou castração (a mãe/tia rígida, porém afetuosa). Os protagonistas querem se provar livres e masculinos, adultos e independentes, apenas para atestarem sua pequeneza dentro de um mundo mais esperto do que eles. Esta poderia ser uma coming of age story, ou seja, uma fábula de passagem à fase adulta, mas talvez seja o seu avesso. Ao invés de fornecer espetáculo e heroísmo, Okoro prefere a versão em que o sistema aniquila os indivíduos. O resultado se torna ainda mais verossímil graças à excelente atuação de Chinaza Uche e Tina Mba, apresentando uma rica variação aos personagens, e transmitindo as intenções de seus personagens por meio de silêncios e da calculada postura corporal. Antonio J Bell revela facilidade com as falas, além de uma insolência ideal para caracterizar, em poucas palavras, seu personagem.

Afinal, quem é o príncipe nigeriano do título? O garoto americano, com computador e dinheiro, porém perdido num país distante, ou o primo golpista, inserido nos hábitos locais, porém situado na base da pirâmide social? A ideia de um príncipe (sugerindo luxo, fartura, felicidade, domínio) poderia ser uma bela ironia, ou ainda uma idealização inalcançável para ambos. O filme termina com uma cena impactante e amarga, como se esperaria de um feel bad movie tão sofisticado. O surpreendente suspense dedica metade de sua narrativa à construção psicológica dos protagonistas, em duas subtramas paralelas, antes de enfim reuni-los e desencadear os esquemas de roubo esperados. As cenas são mais longas, contemplativas e complexas do que o habitual de um filme de ação. Não há qualquer fio solto nesta fábula de duplas decepções, simultâneas e proporcionais, entre primos desconhecidos. “Você nem sempre pode ter o que quer”, declara impiedosamente o pai ausente ao filho. Talvez esta seja a grande lição do projeto: ao invés da superação de dificuldades e a descoberta de seu próprio valor, a percepção de que muitas pessoas jamais conseguirão se impor dentro de um mecanismo viciado. “Vai ficar tudo bem. Confia em mim”. Estas frases são proferidas por um homem coberto de sangue, em meio a uma situação perdida. A sobreposição de uma fala tão banal a um contexto caótico se torna ainda mais assustadora.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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