Crítica


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Sinopse

João, um jovem que mantêm uma relação distante do seu parceiro, e Janaína, que sofre de epilepsia, são amigos íntimos. Para que consigam sobreviver na cidade de São Paulo, eles aprenderam a cuidar um do outro. Quando João sofre um acidente, a jovem busca conforto no colo de um outro homem, rompendo seu vínculo com o amigo e, dessa forma, permitindo que o mal invada os corpos dos dois.

Crítica

Uma tragédia ocorrida em 2007, quando um deslizamento de terra nas obras da Estação Pinheiros do Metrô de São Paulo causou a abertura de uma gigantesca cratera, resultando na morte de sete pessoas e afetando a estrutura das edificações da região, serve como alegoria para tratar das fraturas e do desmoronamento, tanto físico quanto emocional, dos personagens de O Pequeno Mal, estreia em longas dos diretores Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune. Os protagonistas da trama, Janaína (Janaina Afhonso) e João (João Paulo Bienermann), são jovens que exalam uma angústia latente, mantendo uma relação de amizade baseada em certa dependência mútua, algo que acaba se estreitando ainda mais quando passam a dividir um apartamento – com vista para o local do mencionado incidente – após a garota sofrer um ataque epilético.

Ambos sintetizam a solidão quase patológica – ou ao menos o temor da mesma – que se abate sobre parte da população das grandes metrópoles como São Paulo. Além de dividirem esse sentimento, João e Janaína terminam conectados também pelas debilidades de seus corpos – ela convivendo com a epilepsia e ele ficando preso a uma cama após sofrer um acidente. Esse elo físico é o que prevalece desde o princípio – quando a câmera dos cineastas fecha na mão de Janaína à procura do toque do amigo ainda no leito do hospital – se estendendo também às relações dos dois com as outras pessoas que os cercam, como quando João recosta a cabeça no colo de seu namorado. O acidente, contudo, leva ao distanciamento gradativo, culminando no rompimento desse elo, pois, para saciar sua sede por qualquer fagulha de afeto, Janaína se entrega aos braços de um misterioso homem, ainda que não demonstre maior interesse posterior pelo mesmo.

Essa necessidade do contato físico faz com que os corpos dominem os espaços, preenchendo a tela. O registro numa janela mais fechada, menos horizontalizada, acentua tal percepção, além de naturalmente imprimir um senso de confinamento, fazendo com que esses corpos sintam-se sufocados. Uma qualidade que contribui para a manutenção da atmosfera opressiva e de desconforto que envolve um vazio existencial capaz de tragar os personagens tal qual os automóveis tragados pela cratera do metrô. Toda essa fisicalidade transbordante é emoldurada pelo rigor formal imposto por Barros e Zetune, calcado numa composição meticulosa de planos quase sempre estáticos, com movimentos de câmera econômicos. Em complemento à plasticidade das imagens, há também o ótimo trabalho de design de som, que incorpora os ruídos do ambiente urbano – do trânsito aos aparelhos do hospital, dos vagões do metrô ao barulho do ar condicionado – fazendo com que reverberem, e por vezes dominem as cenas, elevando o fator claustrofóbico e desconcertante.

O destacado elemento sonoro serve também para direcionar a atenção ao que ocorre no extracampo, ou ao menos àquilo que se inicia nele, como os dois grandes eventos responsáveis por aproximar e separar os protagonistas – a ataque de Janaína na cozinha do restaurante e o acidente de João na ciclovia. Tal harmonia entre a representação do tátil e o sonoro é essencial a uma narrativa como a de O Pequeno Mal que opera quase sempre numa esfera sensorial, expondo um fluxo associativo de situações no qual o real e o onírico se confundem. Seguindo uma linha de desconstrução da narrativa convencional à la Godard – citado diretamente com uma frase retirada de seu Viver a Vida (1962) – Barros e Zetune ocultam detalhes mais profundos sobre a vida ou a personalidade dos protagonistas, focando no desespero que esses emanam e que aumenta conforme a trama resvala no terreno do thriller psicológico.

Em seu ato final, o longa de Barros e Zetune regressa às raízes da condição de Janaína, refletida também em João: a paralisia, a noção de imutabilidade e de impotência diante de um mal ainda desconhecido, mas que se anuncia desde sua adolescência. Um trauma ainda não vivido e para o qual a única possibilidade de cura se encontra no amor, no afeto. Ainda que talvez hermético demais em seu desfecho, O Pequeno Mal é bem-sucedido em partilhar esse incômodo que afeta seus personagens, através da melancolia embalada pela canção “Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me”, dos britânicos do The Smiths, e pelas imagens de Two People (1945), de Carl Theodor Dreyer, se mostrando uma experiência sensorial intrigante e de grande força estética.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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